Cleber Rocco
Por que os prefeitos asfaltam? Difícil ter motivos precisos, mas dá pra levantar meia dúzia de benefícios: vai ter menos poeira do que a estrada de terra, carros chacoalham menos e vão poder correr mais, e Mercedes-Benz não quebrarão as suspensões. Também a polícia, ambulância e bombeiros chegarão mais rápidos às emergências; mas se eles não estiverem por perto, irão demorar um tempão da mesma forma!
O bairro Floresta Escura todos conhecem! Tem um restaurante ali perto, uma escola infantil, poeira, rua esburacada, agora um pouco de luz pra gente não tropeçar, tem ar puro, clima ameno, aves e bois que as vezes atravessam a rua, trator, caminhão e cavalo passando toda hora, mas não tem esgoto, água tratada, posto policial ou de saúde, bombeiros, galerias pluviais ou local para destinar podas das árvores. Mas a gente adora tudo isso!
Agora que o asfalto está chegando, vamos imaginar o que vai acontecer. Mas são só suposições!
O asfalto vai absorver toda a luz solar e ficar bem quente, aquecendo o bairro. A brisa fresca não vai ter mais e o cheiro de piche será novidade. Seriemas, quero-queros, lagartinhos não poderão mais ficar ali. Cavalos queimarão as patas e quando chover escorregarão na pirambeira das Primaveras quebrando as pernas. Tomara que o veterinário seja bom de cirurgia e que não falte dinheiro pra cuidar do pobrezinho!
Agora pensa na velocidade que vai dar para alcançar com a Mercedes na reta das Violetas? Se passar uma pessoa ou animal na hora da acelerada, só Deus pra salvá-los, mas ainda bem que tem airbag bom no carrão.
Todo mundo chegará e sairá bem rapidinho, morador e bandido. As casas na entrada que se cuidem, já podem preparar o bolso para as câmeras, alarmes e o piuí-piuí, aquele carinha da motinho vai cobrar 30 reais todo mês pra olhar sua casa.
A obra vai ser sair num relâmpago neste ano! Acho que em setembro tá pronto, antes da chuva!
Aí sem galeria de captação da água, pensa na enxurrada descendo as Primaveras em direção à entrada? Tomara que o caminhão de lixo já tenha recolhido tudo, do contrário será uma inundação lá em baixo e um monte de lixo boiando. Agora a Mercedes tem que ser à prova d’água!
Depois do chuvão das 15h, o sol quente seca tudo rapidinho e o asfalto volta a ficar bem quente. O vapor d’água vai subir e arco-íris aparecerá. E chega o caminhão da fossa que vai nas Bauhíneas, tracionando na subida das Primaveras, se não pegar embalo, terá que usar a reduzida e botar tração no asfalto mole do destempero térmico, fazendo aquela barrigona que dá o baita solavanco no carro.
Chegado fevereiro não tem mais jeito! De tanto escorrer água com velocidade, a lateral das vias já estará destruída, mesmo com sarjetas as erosões aparecerão. Mercedes agora terá que literalmente voar para passar ali!
A chuva deu um baile no asfalto e não infiltrou no solo, a cacimba secou! Prejuízo! A quem reclamar? Pode preparar o bolso pra chamar o poceiro, pois água encanada aqui não há!
Nem vou falar de turismo no bairro. Quem de São Paulo quer vir para ver asfalto? Preju? A quem reclamar?
O progresso chegou! As propriedades ficarão mais caras e todos felizes! Só se o corretor for bom de lábia e o recapeamento tiver acabado de acontecer. Se não, pode esperar um bairro quente, cheio de crateras, sujo dos detritos do asfalto, sem animais pra contemplar, perigoso pra bicicletas e crianças, e com uma subidinha no IPTU para pagar o recapeamento anual.
Hoje progresso não tem nada de asfalto, mas tem muito de natureza preservada. A sustentabilidade econômica e social da sociedade exige preservação da água, solo, fauna e flora, implicando em melhor qualidade de vida.
A história já mostrou que ecoa mais duro o silêncio dos omissos do que os brados dos que se sentem na razão, por isso essa mensagem. As suposições dessa tragédia anunciada do asfalto são de Engenheiros, Médicos Veterinários, Administradores, Donas de Casa, Aposentados, Pedreiros e mais meia dúzia de amigos do bairro.
E se o asfalto sair, pois bem, a Mercedes não quebrará mais! Mas se não sair, a sugestão é trocar por um Uno. Esse eu garanto que não quebra!
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Cleber Rocco é engenheiro, Prof. Doutor na Unicamp e morador do bairro Floresta Escura – [email protected]