Vitor Medina
O destaque deste artigo é na verdade a transcrição de um bilhete recebido em uma escola pública aqui de Piracicaba. O pedido de desculpas vem de um jovem do Ensino Fundamental II, por não conseguir cumprir com suas “obrigações” escolares por estar vivenciando a maior pandemia dos últimos 100 anos. Esse jovem estudante está (ou estava) mantendo suas atividades escolares por educação à distância (EaD). Muito já se debateu sobre a relevância dessa forma de aprendizagem num momento como esse e já concluímos que, apesar de ser um meio, não é um meio que atinge a totalidade dos estudantes.
O ensino à distância ainda exclui, e não podemos deixar de afirmar isso para olhar apenas para a parte “meio cheia do copo”, a realidade não é tão simplória. Isso é evidenciado, por exemplo, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, divulgada no fim de abril pelo IBGE que aponta que um a cada quatro brasileiros não têm acesso à internet; ou como mostra os resultados do questionário socioeconômico aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de que um terço dos candidatos às universidades não teriam condições para acessar o EaD.
Soma-se à isso o temor que estudantes e seus familiares têm da volta às aulas presenciais, temor este que se faz coerente, como demonstra a pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz ao alertar que um possível retorno possa representar perigo para aproximadamente 9,3 milhões de brasileiros.
Mesmo sem voltar às atividades presenciais dos estudantes, todos os dias chegam nas escolas de Piracicaba mais casos que se assemelham ao do jovem que escreveu o bilhete. Hoje nossa cidade atinge o número de 6437 casos de Covid-19 confirmados e de 168 óbitos. Cidade onde bairros com mais casos ainda mantém o comércio aberto e o consumo no local, como mostrou reportagem da EPTV no dia 21 de julho.
O que ficam são questionamentos. Quais são os estudos que embasam o retorno das atividades escolares de forma segura para os estudantes e seus familiares, se a fiscalização da abertura de comércio é inexistente ou ineficiente? Como possibilitar que escolas que não possuíam estruturas básicas de higienização antes da pandemia, ofereçam aos jovens um ambiente seguro? Qual é o plano de combate ao Covid-19 existente em Piracicaba? Quais são as condições dos estudantes piracicabanos mais vulnerabilizados? Onde estão esses dados? Onde estão esses estudos? Onde está o diálogo com a sociedade civil?
No bilhete desse jovem estudante é ele quem se desculpa pela família ter adoecido. Mas e a responsabilização daqueles que defenderam as carreatas da morte? E a responsabilização do poder público piracicabano por não dialogar com a sociedade?
Triste realidade em que vítimas interiorizam a culpa, enquanto os responsáveis pelas violações ficam ocultos na própria covardia e na covardia daqueles que são cúmplices.
_____
Vitor Medina, professor de filosofia, especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP, membro do coletivo Oswaldo Cruz.