A tragédia do Estado proprietário

José Renato Nalini

 

A ideia de Estado foi alvo de perversão no decorrer da História. Quem acredita que o ser humano é perfectível e que sua caminhada por este planeta é a busca de contínuo aperfeiçoamento, sabe que a existência de estruturas com o monopólio de força deveria ser etapa transitória. A humanidade alcançaria um período em que a racionalidade se imporia sobre os instintos animais e não haveria necessidade de equipamentos destinados a controlar as criaturas.

Lamentavelmente, parece que Hobbes tinha mais razão do que Rousseau. Embora a cada humano seja concedido viver algumas décadas, em regra menos do que dez, ele se conduz como se fora infinito. Coleciona bens e ressentimentos, considera impossível a regra de ouro “amai-vos uns aos outros” e parece preferir o “destruí-vos uns aos outros”.

Essa vulnerabilidade é transmitida às entidades que ele cria para facilitar a vida em sociedade. Por isso é que os Estados, em lugar de se limitarem ao mínimo essencial, ocupam espaço cada vez mais invasivo e se tornam paquidermes pesados, onerosos e convictos de sua onipotência.

O chamado Estado do bem-estar social apropriou-se de tantas funções que hoje está falido. A situação brasileira é emblemática. Teria sido preciso o flagelo de uma peste para mostrar que a miséria cresceu e se disseminou?

Ninguém conseguia enxergar que milhões de brasileiros não têm teto, nem saneamento básico, nem água, nem atividade que garanta subsistência digna e que hoje precisam de auxílio emergencial para permanecerem vivos.

Com cenário tal, impõe-se uma profunda reforma estrutural do Estado. Ele tem de se limitar ao essencial e entregar à cidadania tudo aquilo de que ela pode se desincumbir. E isso é quase tudo. Basta verificar que praticamente tudo o que a administração estatal direta realiza, é menos eficiente, mais dispendioso e sempre existe a suspeita de prática de “malfeitos”. Eufemismo para falar no crime hediondo que é a corrupção, num país que multiplicou os invisíveis, os excluídos e os abandonados da sorte.

Algo que merece imediata atenção é o patrimonialismo absurdo na acumulação de bens imóveis como propriedade estatal. Um governo não tem de ser proprietário de prédios, terrenos, como se fora uma dessas entidades de especulação imobiliária que fazem estoque de superfície territorial.

Por isso é de se louvar a Lei 14.011/2020, resultante da MP 915/2019, que permite desconto de 25% sobre o valor de avaliação do imóvel na segunda praça. É um incentivo a que se faça valer a lei da oferta e demanda, que preside a sistemática do mercado.

Há três nítidas vantagens nessa norma: 1. Injeta recursos ao Erário, que está sendo chamado a atuar prontamente, para que não morram de fome os nossos próximos, os semelhantes mais prejudicados pela peste; 2. Faz o Estado economizar, porque não precisa de vigilância, guarda e conservação desses bens; 3. Prestigia a iniciativa privada, um dos princípios desta República, tolhido quando se constata um Estado quase onipotente, que parece odiar o lucro e hostiliza o empreendedor com a carga tributária que é uma das mais injustas de todo o globo. Quem já não ouviu o chavão de que temos um fisco de Primeiro Mundo e serviços públicos do fim do mundo?

Tudo aquilo que a iniciativa privada puder realizar, ela o faz muito melhor do que o Estado. Este deveria ser o grande indutor do desenvolvimento. Educar a juventude para empreender. Vale a tentativa de resgatar as décadas perdidas, com uma educação que fez as crianças decorarem informações de que não necessitarão quando adultos e desprezar a informação multiplicada pela Quarta Revolução Industrial.

Ensinar educação ambiental em todos os níveis, formal e informalmente, para que o Brasil recupere o seu prestígio esgarçado nos últimos anos, com o desenfreado estímulo ao desmatamento, destruição do verde e da biodiversidade, poluição da água e de tudo o mais.

Em lugar de colecionar propriedade imóvel, o Estado brasileiro bem faria se aparelhasse as agências, com o intuito de fazê-las usinas de criatividade, para que ciência e tecnologia nos levassem ao estágio necessário para voltar a ser uma economia consistente.

O Estado tem de ser eficiente: é comando constitucional. Acumular propriedades e competir com a cidadania, que é a única titular da soberania, é um equívoco nefasto. Os bens imóveis precisam gerar recursos para fazer face à urgência do combate da miséria, não ficar nas mãos negligentes de um Estado que sequer consegue saber quantos são. Menos ainda, administrá-los ou dar utilização compatível. São Paulo é o exemplo do descaso da União para com propriedades das quais não cuida nem conserva.

A possibilidade legal de livrar-se dessas propriedades improdutivas e dar um alento ao mercado imobiliário é uma das poucas promessas promissoras nesta triste fase da História do Brasil.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL)

 

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