Covid-19: a pandemia tem cor, classe social e endereço

Leandro Cuerbas

 

O Brasil atingiu a triste marca de mais de 80 mil mortes pela COVID-19 e mais de 2 milhões de casos confirmados, segundo dados do Ministério da Saúde. A partir da análise desses dados tem se depreendido que essas mortes possuem um caráter social, racial e territorial.

Em matéria de 12 de julho, a BBC Brasil aponta que do total de óbitos pela COVID-19, quase 55% eram de pessoas negras, enquanto as não negras representavam 38%. Historicamente, isso se dá, pelo passado escravista e o racismo em nosso país, que fazem com que a população negra seja maioria nas favelas e em moradias precárias nas periferias das cidades.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, o Mapa de Desigualdade – Pandemia da ONG Rede Nossa São Paulo mostra que distritos socialmente vulneráveis e com maior proporção de população negra apresentam alto número de óbitos, como são os casos de Grajaú e Jardim Ângela, que apresentavam, até 18/06, 507 mortes. Enquanto distritos de alta renda e baixa proporção de população negra, Pinheiros e Moema, apresentavam 110 mortes. Distritos com grande quantidade de domicílios em favelas, Brasilândia e Sacomã, também apresentavam números alarmantes de óbitos: mais de 500. Levantamentos demonstram que regiões periféricas possuem menos equipamentos de saúde, de cultura e museus por habitantes, bem como, menor oferta de saneamento básico e de alimentos adequados e saudáveis.

Como reflexo disso, dados do Ministério da Saúde demonstram que a incidência de diabetes tipo II é 9% maior nos homens negros que nos não negros e 50% maior nas mulheres negras do que nas não negras e a hipertensão arterial tende a ser mais complicada na população negra de ambos os sexos. Estudos do Observatório Cidadão da Rede Nossa São Paulo também revelam que, em 2015, mulheres negras na cidade de São Paulo representavam 27,82% no que diz respeito ao pré-natal insuficiente, enquanto as não negras eram 20%. Em 2017, os dados nesse mesmo quesito, eram 43,2% e 31,5%, respectivamente, ou seja, houve um aumento das desigualdades com o passar dos anos. Ainda segundo a ONG, um habitante de Paraisópolis tem expectativa de vida de 10 anos a menos que um morador do Morumbi.

Esse cenário parece ser a realidade de muitas outras cidades no Brasil. Diante disso, se faz urgente que sejam implementadas e reafirmadas políticas públicas voltadas a essas populações, objetivando reduzir a reprodução das desigualdades e injustiças impostas pela cor da pele, a classe social e o endereço em que se vive.

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Leandro Cuerbas, especialista em segurança Alimentar e Nutricional pela UNESP professor de Geografia na Rede de Ensino do Estado de São Paulo. ([email protected])

 

15 comentários em “Covid-19: a pandemia tem cor, classe social e endereço”

  1. Excelente artigo, diz exatamente o que precisamos ouvir nesse momento tão delicado pelo qual passamos. Essa pandemia mostra o quanto as desigualdades ainda estão presentes na nossa sociedade. Parabéns ao autor por nos brindar com tão brilhantes palavras

    1. Ótimo artigo! A desigualdade social também está relacionado à covid-19. A população negra é a mais atingida pelo vírus, devido às baixas condições econômicas, herança histórica do período de escravidão do nosso país.

      1. E pesa sobre nosso histórico o fato de não conseguirmos sanar essas desigualdades, em especial, a que exclui a população negra desse país.

  2. Ótimo conteúdo e excelente colocação. Infelizmente no Brasil estamos sofrendo ainda mais com essa pandemia devido a alta desigualdade social, que mais do que nunca está visível na nossa sociedade. Bem como os prefeitos de diversas cidades atuando de forma contrária às posições do governo federal para tentar minimizar os impactos.

    1. Sim, os governos estaduais e municipais estão abandonados pelo Governo Federal, que devia encabeçar uma ação coordenada de mitigação da pandemia e da crise econômica.

  3. Ótimo artigo. Triste a situação do nosso país que vinha melhorando, sofrer quedas tão bruscas na qualidade de vida do povo. Para além das desigualdades cotidianas que sofrem moradores de periferias o Covid-19, só desvelou toda a precariedade que a maioria da população brasileira sofre e deixou evidente todo o descaso do Estado. Parabéns !

    1. Sim, é uma infelicidade que parte bda população só perceba isso nesse momento. Espero que percebam a importância do SUS, das políticas públicas e da ação do Estado na promoção e garantia dos direitos previstos em nossa Constituição.

  4. Sim, Leandro, quanta injustiça devida à desigualdade económica!
    Gente que sempre foi explorada, sem gozar da riqueza que gera! Triste!
    A precária situação de moradia e a alta densidade demográfica dessas regiões desassistidas, são fatores importantes para a ocorrência de maior incidência da COVID 19.

    1. Sim, além de toda a falta de acesso a tudo, ainda tem a questão das moradias precárias nas quais moram muitas pessoas. Diante das decisões do governo para o ano que vem, a tendência é que essa situação se torne ainda mais aguda.

    1. Marcio, é o que tenho tentado fazer por meio da educação. É aberrante ter aumentado a riqueza de pessoas que já tem muito num momento em que a maioria da população está jogada às traças e ao seu próprio destino.

  5. Parabéns pela abordagem. A opinião pública precisa ter acesso a esses pontos de vista relacionados às verdadeiras vítimas da pandemia.

  6. Marcio, é o que tenho tentado fazer por meio da educação. É aberrante ter aumentado a riqueza de pessoas que já tem muito num momento em que a maioria da população está jogada às traças e ao seu próprio destino.

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