Cecílio Elias Netto ([email protected])
Ao ouvir o Gordo do Barco informar-me do falecimento de Jairo Mattos, a minha foi reação instintiva: “Não é possível!” E, por alguns segundos, eu mesmo não entendi o meu descrédito. Logo em seguida, porém, comecei a dar-me conta do susto que me assaltara. Por mais complicado possa parecer, tudo se aclarou para mim: o Gordo dissera-me que o Jairo tinha morrido, que o Jairo Ribeiro de Mattos estava morto. Mas Jairo nunca foi de morrer, Jairo nunca faria uma coisa dessa. Jairo Mattos sempre viveu, sempre esteve presente. E, nesses meus 80 anos bem vividos, sou testemunha disso. Em minha longa existência e por quase 90 anos da nossa Piracicaba, Jairo Mattos sempre existiu. Logo, não poderia estar morto. Não acreditei.
Na realidade, confesso ter-me sentido – de uma forma muito pessoal, muito interior – como que enganado. Pois nunca, em nenhum momento – mesmo sabendo Jairo estar próximo dos seus 90 anos – imaginei Piracicaba sem Jairo Mattos. Não que eu o considerasse eterno, imortal – mas exatamente pelo fato real e generoso de ele sempre ter existido para a grande maioria do povo piracicabano. Não me é possível – portanto e ainda – entender Piracicaba sem Jairo Ribeiro de Mattos. Pois ele faz parte de toda uma identidade piracicabana que – é preciso reconhecê-lo – está em vias de transformação. Jairo Mattos teve o dom de sintetizar – em si mesmo, em sua personalidade, em sua vida – os valores mais sólidos de uma terra construída por paradoxais fundamentos conservadores/progressistas. Progredimos, conservando raízes profundamente sólidas. Jairo é esse referencial. E recuso-me em escrever ter, ele, sido essa referência, pois Jairo Mattos é.
Não posso dizer ter sido amigo pessoal de Jairo Mattos. Seria pretensão minha. Pois, antes de mais nada, fui um admirador dele. E, por ele, mais do que amizade, tive reverência. Conheci-o desde minha infância, quando ele e Ana Maria Meirelles namoravam, tendo minha irmã Sally como cúmplice. Jairo é quase 10 anos mais velho do que eu. Logo, aos meus nove aninhos, Jairo já tinha 19. E era conhecido e reconhecido. Desde criança, ele enfrentara galhardamente a sua origem difícil. Foi como – melhor diria eu: foi assim! – se mostrasse sua tenacidade para realizar todos os sonhos e desafios.
Ora, dirá alguém com muita razão: muitos, milhares de jovens viveram essa luta. Concordo. Mas há, porém, uma diferença por assim dizer misteriosa: Jairo Ribeiro de Mattos foi único em todas essas longas décadas. Quem o conheceu, sei que irá concordar com este escrevinhador. Não se trata de falar de pessoas insubstituíveis, pois todo ser humano é insubstituível. Ninguém há ou houve igual a outro. Nascemos com impressões digitais próprias. Há, porém, singularidades que nos marcam a existência. Jairo esbanjou essa singularidade, algo que impede – pelo menos, a mim, me impede – defini-lo, qualificá-lo.
Ana Maria, filhos, netos, bisnetos de Jairo Mattos me perdoem, mas eu seria incapaz de conviver com Jairo Mattos. O máximo, talvez, que minhas forças suportariam não ultrapassaria uma semana. Como conviver com um vulcão em permanente erupção? Como conviver com um moto-contínuo? Com uma pessoa múltipla da qual se pode esperar, ao mesmo tempo, um grito ou um sussurro? Como conviver com alguém que projeta e almeja algo aparentemente impossível e realiza? Para mim, Jairo jamais conheceu a palavra nunca.
Hábil nos negócios, eficiente e frio administrador, visionário, pragmático e artista, agressivo e solidário, razão fria e coração mole, exigente, mas participativo, justo e misericordioso, conservador e empreendedor – quem foi Jairo Mattos? Nestes últimos anos, vivemos uma relação de amizade mais próxima. E – nesta amarga pandemia – Jairo e eu aguardávamos tudo passar a fim de, então, com outros amigos, conversar longamente na sacralidade da mesa de bar, onde a caipirinha e a cerveja eram o nosso vinho; e o franguinho frito, nosso pão. Esse vazio dói, machuca.
O que, porém, mais dói e machuca é pensar como será a vida sem Jairo Ribeiro de Mattos, a vida em Piracicaba. Pois Jairo foi, nas últimas décadas, o referencial desse viver caipiracicabano. Ainda bem, ele estar apenas morto. Pois, morrer, não morreu de verdade. Um ideal de vida não morre.