Imaginando um Brasil ao gosto dos laicistas

Armando Alexandre dos Santos

 

Vejo com preocupação os excessos de fanatismo laicista que se vêm impondo ao nosso Brasil que é, entranhadamente, conservador e cristão, por mais que certa mídia, certos políticos, certos membros do Ministério Público e do Judiciário, queiram fazer dele um estado tão laicista que se torne francamente antirreligioso.

Ainda recentemente, a propósito da epidemia de corona vírus, o secretário da saúde de um importante estado brasileiro determinou que a Sagrada Comunhão, nas igrejas, devesse obrigatoriamente ser distribuída em saquinhos plásticos descartáveis, com o pretexto de evitar o contágio! Parece palhaçada, mas essa “otoridade” chegou ao ponto de legislar em matéria litúrgica! Obviamente, a medida foi logo revogada, mas indica um rumo para onde os laicistas fanáticos tendem a levar o Brasil se o bom senso não falar mais alto.

Comecei a pensar até onde poderão chegar os excessos de laicismo. Não há limites para a insanidade humana. Pus-me a imaginar algumas coisas que poderão fazer, na lógica da sua ilógica ideologia. Como mero exercício imaginativo (obviamente com o sentido juvenalesco do “ridendo castigat mores), aqui vão algumas das possíveis futuras “metas” dos laicistas brasileiros fanáticos:

– Proibir topônimos religiosos, como o dos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo e o das capitais Salvador, Natal, São Luís e Belém; demolir o Cristo Redentor; fazer o descanso semanal em dias diferentes, por rodízio, ou por sorteio, ano a ano, de modo a forçar os judeus a trabalharem nos sábados, e os católicos a trabalharem nos domingos; modificar o ângulo do firmamento estampado na bandeira nacional, de modo a não permitir que nele figure a constelação do Cruzeiro do Sul; e, por falar em cruz, também modificar o nome da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul; modificar os estatutos e as insígnias de todas as Ordens honoríficas brasileiras, de nível nacional, estadual e municipal, abolindo cruzes e grã-cruzes.

– Evitar meticulosamente todas as formas de propaganda ou manifestação pública de quaisquer religiões; por exemplo, proibir os apaixonados de fazer desenhos ou incisões em troncos de árvore em forma de coração atravessado por uma flecha, para evitar propaganda religiosa do deus Cupido; fazer uma varredura exaustiva no brasonário de todos os estados e municípios brasileiros, de modo a eliminar qualquer símbolo heráldico que direta ou indiretamente remeta para qualquer ideia religiosa; proibir que em repartições públicas de qualquer tipo, inclusive em escolas públicas de qualquer nível, sejam portados ostensivamente símbolos religiosos, ainda que correntinhas, broches ou pulseirinhas; proibir que nesses ambientes (e sobretudo nas salas de aula) seja proferida qualquer frase ou usada qualquer expressão ou palavra com conteúdo religioso, ainda que indireto e subentendido. Exemplos de palavras ou expressões que devem ser severamente proibidas: “adeus”, “se Deus quiser”, “Deus queira”, “creio que”, “ponho fé nisso”, “pode crer que”, assim como interjeições como “Nossa!” “Meu Deus!” etc.

– Proibir exposição pública de qualquer símbolo religioso em propagandas e até mesmo no alto de edifícios explicitamente destinados a fins religiosos: cruzes, crescentes lunares, estrelas de Davi, por exemplo, não podem ser usadas no alto de igrejas, mesquitas ou sinagogas, e também símbolos maçônicos que remetam à ideia de um “Supremo Arquiteto do Universo” deverão ser proibidos nos frontais de lojas maçônicas;  o mesmo em túmulos de cemitérios abertos ao público; proibir também representações públicas do sol, da lua ou dos planetas associáveis na mitologia antiga ou moderna a divindades: Júpiter, Marte, Vênus, Saturno etc.; proceder com urgência ao exame de toda a nomenclatura estelar e planetária e renomear com designações não religiosas tudo quanto se refira a religiões ou crenças; mudar também a denominação dos meses de Janeiro, Março e Junho, devido à perigosíssima referência etimológica com os deuses Janus, Marte e Juno; proibir que em qualquer documento oficial se usem expressões como “artes marciais”,  “estilo hermético”, “temperamento mercuriano”, “doenças venéreas” etc. – para não fazer propaganda religiosa do culto a Marte, Hermes, Mercúrio ou Vênus; igualmente proscrever expressões como “entre a cruz e a caldeirinha”, “céu de brigadeiro”, “inferno astral”, “missão”, “cruzada”, “redenção” etc., porque têm perigosa inspiração religiosa; proibir também o substantivo trovão e o verbo trovejar, devido à notória e inevitável associação de ideias com Tupã, divindade indígena.

– Proibir que se use, em idioma português, nomes de outras nações ou topônimos estrangeiros com referências religiosas (ou seja, devem ser inventadas outras designações para nos referirmos à Ilha de Páscoa, a Santiago do Chile, San Francisco, Maryland, São Petersburgo, São Tomé e Príncipe etc.).

– Na designação de personagens históricos, proibir qualquer fórmula de tratamento religioso, como em boa medida já faz, no ambiente acadêmico brasileiro (assim, nunca dizer “Santo Agostinho”, ou “São Tomás de Aquino”, mas somente Agostinho, Tomás de Aquino; nunca falar em Nosso Senhor Jesus Cristo, mas somente “sr. Jesus”, com “sr.” abreviado e em minúscula; proibir como crime hediondo a utilização de maiúscula inicial para se referir a Deus (deve ser “deus”); proibir terminantemente que seja usada letra maiúscula inicial para designar qualquer coisa relativa a religião: deve ser “igreja católica apostólica romana”, “cidade do estado do vaticano” “papa bento 16” etc.

– Proibir, nas edições das Bíblias, todas as expressões politicamente incorretas, machistas, homofóbicas, preconceituosas etc.; por exemplo, eliminar a frase do Apóstolo São Paulo “omnes dii gentium daemonia” (todos os deuses pagãos são demônios); mudar o Hino Nacional: dizer que a Pátria amada é idolatrada pode induzir à religiosidade idolátrica; proibir, nos cardápios de restaurantes, que se use a denominação de “Saint Peter” para determinado peixe muito saboroso e procurado; proibir, nas competições de enxadrismo, a utilização da peça Bispo, por notória influência religiosa (sugere-se colocar uma peça com as mesmas atribuições, mas designada como Assessor, Técnico, Consultor ou Assistente); proibir que se use a denominação “pastor alemão” para cães, para não parecer referência a ministros religiosos protestantes; igualmente proibir a raça de cães São Bernardo e a raça vacum Santa Gertrudes.

– Fixar um prazo para que pessoas com nomes religiosos troquem urgentemente seus nomes por sinônimos que não tenham nenhuma conotação religiosa; por exemplo, “Aparecida” deve trocar seu nome por “Brotada” ou “Surgida”, “Ascensão” deve passar a se chamar “Escalada” ou “Subida”, eu, que tenho o sobrenome “Santos”, deveria trocá-lo por “Bons” ou “Fichas-Limpas”, pessoas que têm sobrenome “Cruz” deveriam trocá-lo por “Forca”, “Pelotão de Fuzilamento” ou “Cadeira Elétrica” etc. etc. etc.

Por fim, como decorrência lógica de todas essas propostas, deve-se também proibir, como preconceituosas e politicamente incorretas, expressões que usem a palavra “diabo” em sentido pejorativo, como “fazer o diabo a quatro”, “que diabos!” “o diabo de fulano” etc.

Afinal de contas, o diabo acaba sendo uma “divindade” lato sensu. Por sinal, bem mais ao gosto dos laicistas do que Deus Nosso Senhor, cujo Santo Nome é explicitamente invocado no Preâmbulo de todas as Constituições Brasileiras desde a de 1934. Logo no início da atual, lê-se: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte (…) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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