Em memória do cantor britânico Liam Payne

Juliana Camargo Gonçalves

Não lembro quando os gritos histéricos começaram, mas lembro que tinha 10 anos. Não lembro quantas vezes tive meu dia salvo por uma de suas canções, mas delas, me lembro de todas. Também nunca imaginei que pudesse receber essa notícia assim, de uma maneira tão abrupta e repentina. Acho que me imaginava te acompanhando na velhice, rindo das loucuras adolescentes e declarações de amor. Morrer é ridículo. É um ponto final no meio de uma sentença cheia de promessas. É um susto sem eco, um grito sem voz. É um apagar de luzes em plena luz do sol. Talvez seja como um sonho infinito. Talvez não, porque morrer é muito mais rápido do que adormecer.

Conheci meu ídolo com 10 anos e hoje, passada mais da idade que tinha quando o conheci, vejo que as coisas nunca mudaram. A esperança do encontro, a bobeira de se imaginar conhecendo a pessoa antes de dormir. Está aí! Talvez o amor de fã seja o que temos mais próximo de um amor puro. Você admira e ponto. Sente, e ponto final. Veja bem, não estou falando de obsessão, falo de amor mesmo. Aquele amor que reconhece as diferenças, mas estende a mão. É como reencontrar um velho amigo. Os olhares falam mais do que as palavras não ditas, mas ensaiadas por diversas vezes. Sim, morrer é ridículo. É ridículo por saber que nem os olhares e nem as palavras poderão ser entregues.

Como se a vida fosse uma festa, e você, no auge da alegria, fosse retirado sem aviso, sem sequer dançar a última dança ou ouvir mais uma vez a canção que faz seu coração vibrar. Você deixa a casa cheia de vestígios: camisas nos cabides, a toalha úmida no varal, e algumas contas penduradas no calendário. Os outros, aqueles que ficam, terão de lidar com suas tralhas, com as pistas que você foi deixando pela vida. Justo você, que sempre dizia: “Das minhas coisas, cuido eu.”

A vida é uma travessia frágil. Caminhamos por uma rua e, quem sabe, não alcançamos a próxima esquina. Começamos uma conversa e, talvez, não terminemos a frase. Fumamos, bebemos, comemos sem parcimônia. E um dia, sem aviso, pegamos uma carona para as estrelas.

Morrer depois de viver uma longa história, tudo bem. Chegar ao fim dos dias com o corpo cansado e a mente já distante, faz sentido. Aí sim, o descanso parece justo. Mas morrer cedo, quando ainda há tanto a fazer, é uma transgressão. É uma piada amarga, sem graça. Morrer é ridículo.

E se há algo mais ridículo do que morrer, é não saber aproveitar a vida. É não se jogar nas oportunidades que sempre sonhou. Mais ridículo do que morrer é sentir vergonha de ouvir seu ídolo no volume máximo e deixar que as estrelas escutem o quanto ele continua fazendo a diferença. Liam Payne marcou uma geração, soube se entregar para a vida e sorrir com ela. Fez amigos verdadeiros, conheceu lugares incríveis e com certeza verá a diferença que fez ao ver lágrimas rolando, aqui embaixo. As lágrimas são de comoção, gratidão e tristeza, por saber que um coração de fã nunca estará pronto para despedidas. Mas o que fica é a certeza de que, por aqui, continuará amado, reconhecido e lembrado.
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Juliana Camargo Gonçalves, estudante e pesquisadora de Letras português e francês da USP

 

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