Gregório José
A realidade das ruas no Brasil é uma ferida exposta que teima em não cicatrizar. O número de pessoas em situação de rua só cresce, mas o que temos visto? Albergues caindo aos pedaços, políticas públicas que não saem do papel e uma enxurrada de promessas que nunca se concretizam. Há mais de 236 mil pessoas vivendo nessa condição, espalhadas pelas principais cidades do país, e as respostas são sempre as mesmas: insuficientes, atrasadas e improvisadas.
Enquanto isso, os José’s da vida enfrentam a dura realidade de serem invisíveis para o poder público. O que deveria ser acolhimento, vira uma farsa institucional. Os serviços de assistência social, que deveriam funcionar como suporte, estão falidos. O déficit de vagas nos abrigos é absurdo. Só no Rio de Janeiro, para 7.865 pessoas em situação de rua, havia pouco mais de 2.200 vagas em 2022. E ainda nos espantamos com o caos?
Há quem insista que as prefeituras estão fazendo sua parte. De fato, alguns programas, como o “Consultório na Rua”, que oferece assistência médica básica, são bem-intencionados. Mas pergunte aos José’s se isso é o suficiente. Em 138 municípios, talvez. Mas e os outros 5.432? Onde estão as iniciativas para eles? Em boa parte dos casos, o que se vê são operações de “higienização”, retirando as pessoas e seus pertences como se o problema pudesse ser varrido para debaixo do tapete.
E a questão é ainda mais grave: não temos nem dados precisos sobre quem está nas ruas. A última pesquisa nacional ampla foi feita em 2008. De lá pra cá, só vimos fragmentos, como os números de São Paulo, onde um censo apontava 32 mil pessoas em 2021, mas estimativas mais recentes dobram esse número. Onde está a responsabilidade de mapear essa população, de entendê-la para melhor atendê-la? Parece que há um interesse mórbido em manter essa questão na obscuridade.
Olhando para o cenário político, percebe-se uma tendência preocupante: os discursos humanitários florescem em época de eleição, mas murcham logo depois que as urnas fecham. Quantas vezes já ouvimos candidatos se comprometerem com a causa dos sem-teto e, depois de eleitos, simplesmente ignorarem o problema? Parece que os José’s só existem quando há câmeras apontadas para eles.
A verdade é que o país está pagando caro por sua negligência. O custo econômico de manter milhares de pessoas à margem é imenso, mas o custo social é ainda maior. A violência nas ruas, a precariedade dos serviços de saúde e o desamparo que cresce junto com a população em situação de rua não são consequências inevitáveis – são o resultado de uma falta de políticas efetivas e de uma desorganização crônica.
Não adianta mais esperar por milagres ou por promessas vazias. A população em situação de rua não pode ser tratada como uma estatística ou um problema temporário. Eles estão nas ruas porque o sistema falhou em proporcionar o básico: moradia, saúde, dignidade. Chegamos a um ponto onde a questão não é mais o que os governos estão fazendo, mas o que não estão fazendo.
E se os José’s estão cansados de promessas, os eleitores também deveriam estar. Em tempos de eleição, é fácil para os candidatos incluírem a população em situação de rua em seus discursos. Mas a verdadeira mudança só virá quando cobrarmos, com firmeza, a execução dessas promessas. Porque, no final das contas, quem paga a conta por essa negligência não são só os José’s. Somos todos nós.
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Gregório José, jornalista, radialista e filósofo