Almir Pazzianotto Pinto
O sugestivo título encabeça artigo do professor Bolívar Lamounier, estampado na página A4 de O Estado, edição de 5 de outubro.
Cientista social, membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, o professor Bolivar Lamounier pertence a reduzido número de membros da elite pensante com os pés no chão, e olhos voltados para a cruel realidade.
O audacioso artigo coloca em questão o problema da nossa sobrevivência como País organizado. Referindo-se aos caros amigos e amigas, afirma que “por certo se lembram do Brasil, um país que em certa época chegou a ter bons governos e progredir. Pois é, aquele país parece estar desaparecendo. A continuar como está, o que se pode entrever é que cedo ou tarde ele se renderá à jogatina, à ferocidade de certas indústrias e ao banditismo propriamente dito”.
Em artigo recente, publicado neste mesmo local, ao qual intitulei “O progresso da decadência” (frase cuja paternidade pertence a Eça de Queiroz), abordei tema semelhante. Com efeito, entramos em queda livre, persistente e acelerada, no que se refere a valores éticos e cívicos, nos quais se deve fundamentar Nação civilizada.
Após alertar para a “gravidade da crise que se delineia no horizonte”, o professor Lamounier coloca em destaque dois temas, ambos de igual relevância: a eleição presidencial de 2026 e a Constituição de 1988.
Sobre a Lei Fundamental escrevi várias vezes. Trata-se de obra de ficção, escrita com as tintas da fantasia pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, aos quais o presidente José Sarney outorgou o título de Assembleia Nacional Constituinte, para se livrar do ônus da redemocratização, que lhe deixara, ao falecer, o presidente Tancredo Neves.
Observa o professor Lamounier que a Constituição Cidadã, como a apelidou o dr. Ulysses, “só os muito obtusos não percebem seu caráter adstringente no que toca à retomada do crescimento econômico. Adstringente e virtualmente irreformável, pela singela razão de que a elaboração de uma nova Carta requer a convocação do ‘poder constituinte originário’, ou seja, a eleição de uma nova Assembleia Constituinte”.
Peço vênia ao professor, para concordar. Estamos na oitava Constituição. É caso único no mundo. se considerarmos a Carta Imperial de 25/3/1824, outorgada por Dom PedroI. Já na República, elegemos Assembleia Nacional Constituinte em 1891, 1934 e 1946. A Carta de 1937 foi decretada pelo ditador Getúlio Vargas. A Constituição de 1967, obra pessoal do presidente Castelo Branco. Para alcançar o seu objetivo editou o Ato Institucional nº 4, de 7/12/1966, convocando o Congresso Nacional para reunião de caráter extraordinário, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, quando discutiria, votaria e promulgaria a Constituição redigida por elite de jurisconsultos.
Castelo Branco poderia fazê-lo. Tinha autoridade para tanto. Analisada, após tantos anos, vê-se que a Constituição, para aquele momento, era de boa qualidade. Foi, entretanto, abatida pela Emenda nº 1/1969, baixada pelos Ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica, que tomaram o poder com o afastamento do presidente Costa e Silva.
O desafio da 9ª Constituição está atrelado à ausência de partidos e de políticos investidos de credibilidade e liderança. Os dois, em maior evidência são figuras medíocres. Afinal, que significado têm Luís Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, além de encarnarem o que há de mais atrasado?
A Constituição de 1988 foi convertida em joguete nas mãos do Legislativo, do Executivo e do Poder Judiciário. Basta comparar a redação atual com o texto original, editado em 5/10/1988, pelo Centro Gráfico do Senado. Trazia sob o brasão da República, mensagem do dr. Ulysses Guimarães, com o nome A Constituição Coragem. Dela transcrevo o primeiro parágrafo: “O homem é o problema da sociedade brasileira; sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania”.
Passados 35 anos e mais de 140 emendas, o homem continua a ser o mais grave problema da sociedade. Se a Constituição “nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade”, como escreveu o dr. Ulysses no mesmo local, não há como permanecer mais tempo sob Lei Fundamental desacreditada.
Precisamos de nova Constituição. Esta já não serve mais. É necessário aparecer alguém capaz de convocar a eleição de representantes do povo, para se reunirem em Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, com o propósito de discutir e promulgar, dentro de prazo predeterminado, projeto simples e objetivo redigido por juristas de idoneidade.
A não ser assim, será inevitável o mergulho no caos.
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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho; autor do livro 30 Anos de Crise