Inteligência guilhotinada

Eduardo Simões

 

É muito surpreendente, para mim, ver jornalistas e acadêmicos veteranos, além de jovens promessas das redes sociais, brasileiros, a fazer análise das eleições nos Estados Unidos, como se fossem cidadãos americanos!

Eles comentam as posições de um e outro candidato, a partir de uma agenda ideológica interna, como se as questões internas que são colocadas para o eleitorado americano fossem exatamente as mesmas que se colocam para nós nesse momento, e inclusive com o mesmo critério de prioridade.

Ai aparecem a questão do aborto; do intervencionismo estatal; da cultura woke – ou o politicamente correto típico – do grau de intervenção do estado na economia, etc, como se a vitória do candidato democrata, mais à “esquerda”, fosse necessariamente beneficiar o governo Lula, como sonham os neojacobinos (a esquerda) brasileiros, e a do candidato republicano, beneficiasse nossos neogirondinos (a direita). Já o pântano (oportunistas de ocasião, talvez o nosso Centrão) sempre vence, independentemente do lado vencedor.

Mas não é bem assim. O conceito de “esquerda” e “progressista” nos EUA, embora guarde alguma semelhança com a seita marxista, tem sua origem e motivações bem diferente, e muitas vezes um “esquerdista” americano pode sustentar posições mais à “direita”, que um “direitista” ou girondino brasileiro. Sem falar que a questão que mais nos toca permanece intocável nessas análises monopédicas, para ser politicamente mais correto.

Nada podemos fazer em relação à política interna dos Estados Unidos da América, além de conhecê-la: isso é problema deles.

No que toca à realidade desse mundo concreto em que vivemos, o que mais deveria nos interessar é a posição dos candidatos quanto às questões internacionais, e nesse ponto a opção só pode ser uma: KAMALA HARRIS! Afinal ela e os democratas se comprometeram a manter os Estados Unidos dentro das alianças já formadas, gerando uma barreira ao crescimento das ditaduras e regimes autoritários, sustentando a existência soberana do estado ucraniano, enquanto tenta arrefecer a crise no Oriente Médio.

Já Donald Trump, pregando o Make America Great Again, uma versão do America First, do aviador Charles Lindbergh, que nos anos 40 pregava a neutralidade e o isolamento dos Estados Unidos, no enfrentamento ao nazi-fascismo, como Trump quer agora, pensando na economia de recursos, com a manutenção de tropas e ajuda aos aliados, e já mandou um aviso: “quem quiser a ajuda militar dos EUA terá que pagar, e pagar caro”. Com isso sobrará muito mais dinheiro para investir em tecnologia, e aumentar o hiato entre o progresso tecnológico-econômico da sociedade americana e o resto do mundo.

Decerto que os EUA preservarão sua aliança lucrativa com a Europa e os países anglófonos, mas sem “idealismos”, entregando os continentes pobres para serem divididos em áreas de influência entre a Rússia e a China. Um oceano de ditaduras e regimes autoritários estagnados, com o Brasil entre eles. “Que Rússia e China tirem leite dessas pedras”. O estado ucraniano se tornaria uma paródia, dentro da área de influência russa, enquanto o Oriente Médio tem tudo para escalar. A cabeça de Trump está no pior do século XIX.

É a volta do mundo anterior à Primeira Guerra Mundial, dividido em áreas de influência, desarticulado das mudanças ocorridas nos últimos 150 anos, e destinado a ter o mesmo fim daquele. O desengajamento militar dos EUA nesse momento, como quer Trump, não evitará a Terceira Guerra, apenas colocará as democracias numa posição mais desvantajosa do que estavam antes da Segunda Guerra, diferente do que se pode esperar com a subida dos democratas.

Que venha pois Kamala Harris.

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Eduardo Simões, professor aposentado

 

 

 

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