A vez das narrativas

José Renato Nalini

A linguagem é dinâmica. Sofre mutações e vai se transformando imperceptivelmente. De quando em vez, surgem verbetes que passam a ocupar todos os discursos. Foi assim com o empoderamento, usado à saciedade. Agora é a vez das narrativas. Não há manifestação de quem se proponha a explicar algo, que não recorra às narrativas.
Houve um tempo em que se usava o “coloca” ou “colocações”, para dizer que alguém havia abordado um assunto. Questionou-se muito o “a nível de”, que ainda aparece, mas nas falas menos eruditas.
Os menos eruditos continuam a falar “gratuito”, como se o “i” tivesse um acento agudo, usam o “de encontro” como se fosse “ao encontro”. Cansei-me de tentar avisar, com a possível polidez, os meus amigos que se servem dessas figuras: ir “de encontro” é trombar. Se você quer falar em convergência, use “ao encontro”.
Usar gratuíto (com acento; o computador corrige automaticamente) é uma cacoépia, uma pronúncia vulgar, inculta, não erudita. Muito familiar a quem fala “rúbrica” ou “fluído”. Nestes tempos de recolhimento, nada como rever a gramática. A língua portuguesa é bem difícil. Não tem o pragmatismo do inglês. Mas é um desafio perene. E suscita exercícios interessantes. Como aquele explorado por Sérgio Rodrigues, no artigo “Weintraub na terra dos oxímoros”.
Oxímoro, ele explica, é aquela figura de retórica que promove a aproximação de duas palavras ou de duas expressões contraditórias, que se excluem mutuamente de um ponto de vista puramente lógico. O exemplo dele de oxímoro é provocativo: Weintraub, Ministro da Educação. Duas ideias que se repelem.
Um outro texto, mais antigo, é de Josué Guimarães, falando que o Brasil é “o país dos anacolutos”. Um anacoluto é a figura de sintaxe que consiste no emprego de um relativo sem antecedente ou na mudança abrupta de construção. Algo que poderia tentar justificar a expectativa que as pessoas têm quando elegem alguém e depois verificam mudança brusca de direção. Isso é um anacoluto, chamado também de “frase quebrada” ou “construção interrompida”.
Para grande parte dos que sobrevivem às múltiplas crises, o interesse por oxímoros ou por anacolutos é uma narrativa pífia. Estão mais empenhados em superar os malefícios gerados pelas várias pestes. Se abusarmos, poderão responder: “oxímoro é seu pai; anacoluto é a mãe!”.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL)

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