Armando Alexandre dos Santos
No nosso último artigo, indagamos as causas da decadência do Império Romano – tema controvertido ao qual se dedicaram numerosos historiadores e que até hoje constitui objeto de estudo e debate. Formulamos nossa convicção de que o Roma estava cansada e envelhecida, necessitando urgentemente de uma renovação que lhe devolvesse as forças vitais de outrora.
Essa renovação poderia ter sido representada pelo Cristianismo, se tivesse sido bem recebido. É o que afirma o erudito historiador e liturgicista francês D. Próspero Guéranger (1806-1875), numa obra profunda e muito bem documentada que escreveu, estudando a aristocracia e a sociedade romana nos dois primeiros séculos da Era Cristã (GUÉRANGER, Prospère. Sainte Cécile et la société romaine aux deux premiers siècles. Paris: Firmin Didot, 1874).
Baseado em abundante e sólida documentação primária da época, ele sustenta que na sociedade pagã havia uma série de elementos saudáveis, que poderiam ter tomado nova força num contexto cristão, de modo que houvesse uma transição harmônica da velha Roma para uma civilização cristã que depois se estenderia aos povos chamados bárbaros. Mas não foi o que ocorreu.
O cristianismo, com sua mensagem nova de dignificação da pessoa humana, não foi bem aceito pelo establishment romano, e foi até mesmo objeto de perseguições que se estenderam, com hiatos, por quase 300 anos. É verdade que a religião instituída por Jesus Cristo penetrou pouco a pouco nas capilaridades da tessitura social romana e foi ganhando foros de cidadania, até que afinal teve sua liberdade reconhecida. Mas isso somente se deu no início do século IV, por meio do “Edictum Mediolanense”, promulgado em Milão pelo Imperador Constantino, no mês de junho de 313. Na ótica de D. Guéranger, já era tarde demais para salvar o Império, que tinha seus dias contados. Roma continuou a ser a Cidade Eterna, a capital da Cristandade, uma referência para o mundo inteiro. Todos os caminhos continuaram a conduzir a Roma… Mas o Império Romano, enquanto tal, parecia fadado a desaparecer, como de fato desapareceu.
Não me parece aceitável a tese que alguns autores professam, segundo a qual o principal fator da queda do Império Romano tenha sido a força armada dos invasores bárbaros. A experiência da História mostra que uma estrutura tradicional e bem consolidada através dos séculos, como era o Império Romano, costuma ser praticamente indestrutível de fora para dentro enquanto se mantém coesa e firme, mas, paradoxalmente, é muito frágil se se deixa apodrecer por dentro. A fragilidade dela estava no seu interior, não nas ameaças externas. Se o Império não tivesse decaído internamente, ele teria resistido muito mais tempo. Roma tinha passado por outros riscos, por outras tempestades, e sempre saíra incólume enquanto seu organismo social estava sadio. Mas, na fase de decadência, tudo estava apodrecendo por dentro.
“Alios ego vidi ventos, alias prospexi animo procellas” (Já vi outros ventos, já enfrentei outras tempestades), escreveu Marco Túlio Cícero (Familiares, 12, 25). Isso é o que Roma responderia à avalanche dos povos bárbaros se não estivesse emburguesada, amolecida e corrompida.
Não se pode, é claro, ignorar problemas políticos, econômicos, administrativos, numa análise dessas. O crescimento desmesurado do Império Romano, seu gigantismo, sua necessidade de ser, ao mesmo tempo autoritário e centralizador, mas também abrangente de muitos povos e culturas, tudo isso foi minando suas forças.
Formalmente, o Império se manteve íntegro até à queda de Roma, em 476. Mas já o saque de Roma por Alarico, em 410, abalou-o profundamente, dando-lhe uma sensação de insegurança e instabilidade que deixou marca nos escritos de Santo Agostinho. É impossível não fazermos analogia com atendado de 11 de setembro de 2001, quando o atentado contra as torres gêmeas de Nova York patenteou a fragilidade das instituições modernas, o que provavelmente, no futuro, será considerado um marco histórico.
Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.