Piracicaba envelhecendo, mas como?

Sergio Oliveira Moraes

 

A ameaça no ar em pleno sábado (20/7): “Oito escolas de Piracicaba poderão aderir ao modelo cívico-militar”, me lembrou o trecho da tragédia “Rei Lear”, de W. Shakespeare, quando o Bobo diz ao Rei: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.” (Ato I, Cena V, tradução de Millôr Fernandes, pág. 355, L&PM Editores).

Piracicaba está envelhecendo, mas como? Com sabedoria? Façamos o balanço dos últimos anos, uma planilha, os títulos para nos orientar. Saúde – não esqueçamos de incluir Jamily, que só tinha 5 anos, que nada pode ser mais doloroso que o sofrimento e a morte de uma criança, que nada nos apequena tanto. Ambiente – meio ambiente se quiserem – mas não deixemos de fora a luta das árvores para não virarem estacionamento, que nada é mais gratificante que suas sombras, seus pássaros, para o descanso do calor, da fumaça, do barulho que nos atormentam. E não viremos o rosto para a mortandade dos peixes (que se conta às toneladas), para os pescadores que deles viviam, que ninguém sente tanto quanto eles. Educação e Cultura – não esqueçamos a “Pinacoteca na Moraes”, o Observatório Astronômico desativado, a EMPEM, com seu patrimônio material (patrimônio material – resumo pequeno demais para tanto legado) que aguarda (há tempo demais) o tombamento, a “Boyes” – semente plantada por Luiz de Queiroz e deixada à mingua com que intenção? E que não fique de fora a Unimep, que nada pode ser mais indicativo da nossa falência intelectual que o fechamento de tal instituição de ensino.

Mas há uma ameaça parada no ar: “Oito escolas de Piracicaba poderão aderir ao modelo cívico-militar” e que não pode acontecer – que nossa contabilidade já tem tragédias demais. Há que impedir que Piracicaba siga envelhecendo sem sabedoria, e nada é mais fatal para a sabedoria que o “um manda o outro obedece”, a aniquilação da mediação pelo diálogo. Vivemos no dia a dia a dificuldade para aceitar o contraditório – sejam nos ataques ao argumentador, em lugar de discutir o argumento, seja nas operações mentais por clichês em lugar do pensar, seja na transformação do diferente em inimigo. E os espaços públicos de cultura e lazer, principalmente as escolas, são essenciais para esse aprendizado da mediação pelo diálogo, da convivência com o outro.

Há muito que melhorar na escola, é inegável, mas sem tirar dela a missão de ensinar os jovens a pensar, isto é, compreender para poder decidir, agir. Ainda, pensar pressupõe imaginar (e aí Hannah Arendt), isto é, mesmo que não seja possível colocar-me no lugar do outro, pelo imaginar posso aproximar-me da compreensão do seu sofrimento e daí talvez surgir a possibilidade de reconciliação. Há outro caminho para um mundo mais sábio? Na autoridade militar, não há espaço para o buscar sentido, compreender, ordens são para serem cumpridas, “um manda o outro obedece” e ponto final.

Como um professor aposentado que muito deve a seus ex-estudantes pela motivação das dúvidas e reflexões, mas também com a humildade de um jovem formando que há 47 anos fez um juramento, concluo: por uma Piracicaba que possa envelhecer com sabedoria, porque a seus jovens foi dada a oportunidade de se tornarem sábios, peço a todos da comunidade que votarão pela adesão ou não às escolas cívico-militares, que votem NÃO!

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Sergio Oliveira Moraes, físico e professor aposentado Esalq/USP

 

 

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