A mortalidade de peixes no Rio Piracicaba cobra explicações

José Machado

 

A recente mortandade de peixes no Rio Piracicaba impactou o imaginário social de nossa cidade como algo inacreditável e inaceitável e segue repercutindo, com igual perplexidade, em vários cantos do país.

A Usina São José, instalada no município de Rio das Pedras, já foi identificada pela CETESB como responsável direta e imediata por essa catástrofe ambiental, eis que efetivou descarga poluente no Ribeirão Tijuco Preto, afluente do Rio Piracicaba. A promessa desse órgão ambiental, conforme se noticiou, é a de que a empresa será devidamente punida, com multa, pelo crime cometido.

Nutrimos a ilusão de que esse tipo de incidente nas águas do nosso histórico Rio Piracicaba fosse coisa de um passado longínquo, depois de tantos anos de luta que redundaram na criação e implantação dos Comitês (federal e estadual) das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que se tornaram, com mérito indiscutível, uma referência nacional no âmbito da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei 9433/1997, e da Política Estadual de Recursos Hídricos, instituída pela Lei 7663/1992. Sempre é pertinente relembrar a saga da Campanha Ano 2000, liderada pelo saudoso Doutor Nelson Rodrigues, nos idos da década de 1980, que fincou a luta pela salvação do Rio Piracicaba e que contribuiu decisivamente, nessa perspectiva, para a criação do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari em 1989 e depois dos referidos comitês.

Nas Bacias PCJ, graças a essas conquistas, estão implantados os instrumentos de gestão de recursos hídricos fundamentais, tal como preconizado pela legislação mencionada, a saber: outorga pelo direito de uso das águas, cobrança por esse direito de uso e plano de bacia. Além disso, foi instituída e funciona regularmente, com quadro técnico qualificado, uma agência de bacia, com a finalidade de dar suporte técnico e implementar as decisões dos comitês.

A CETESB é um órgão subordinado à hierarquia do sistema ambiental estadual, cuja missão precípua é a de zelar pela integridade do patrimônio ambiental como um todo. Essa sua missão não se superpõe e nem é conflitivo à do sistema de recursos hídricos, pelo contrário, pois o que prevalece é a diretriz de integrar a política ambiental com a política de recursos hídricos. Ambas as políticas são convergentes, portanto, e nesse sentido nossa região está, em tese, bem estruturada.

Como explicar então que, diante desse aparato formidável, ainda seja possível a ocorrência de acidentes ambientais das proporções tais como o ocorrido com essa mortandade de peixes no Rio Piracicaba? O que falhou?

Considerando o sistema de produção açucareira, atividade da Usina São José, notoriamente produtor de resíduos de alta periculosidade para a integridade do sistema hídrico em particular, como explicar eventual desvio de conduta no manejo de tais resíduos, numa época de tantos avanços tecnológicos em que vivemos? Alguém pode dizer que acidentes ocorrem, mas é inadmissível nos dias que correm a persistência de processos de gestão técnico-administrativa incapazes de preveni-los ou, pelo menos, de mitiga-los. E aí brota a pergunta fatal: a CETESB tinha ciência, por meio de fiscalização sistemática que lhe cabe, de eventuais deficiências no manuseio dos resíduos da Usina São José? Se tinha, quais medidas corrretivas foram exigidas? E quais punições foram aplicadas, no caso de tais medidas não terem sido cumpridas?

Estamos falando da Usina São José porque é o assunto do momento, mas não podemos negligenciar do fato de que nas Bacias PCJ a realidade é de alto risco, em razão das inúmeras fontes potenciais de poluição das águas, notadamente as de natureza industrial. Significa que hipoteticamente o Plano de Bacia considera essa realidade, hierarquizando essas fontes poluidoras, e tenha concebido, na confluência com a área ambiental, as diretrizes e estratégias para prevenir acidentes, sobretudo os que provocam mortandade de peixes e riscos à saúde humana.

Prevenção é a palavra de ordem! Depois que o acidente aconteceu, não adianta chorar o leite derramado!

Muitas fontes poluentes já adotam práticas modernas e sustentáveis, porém há ainda situações desconformes, a exigir um cuidado especial dos órgãos fiscalizadores.

É de todo conveniente que a fiscalização seja sistemática e preventiva e, em nome da necessária transparência, a sociedade seja devidamente informada do seu resultado. Sim, a sociedade tem o direito de saber o status quo da integridade ambiental e hídrica do seu rio, o que significa dizer que os órgãos de gestão dessas políticas precisam dar maior publicidade e visibilidade às suas ações.

Que essa triste notícia da mortandade de peixes no Rio Piracicaba seja a última. Tolerância zero para os transgressores das boas práticas ambientais!

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José Machado, economista, ex-prefeito de Piracicaba, ex-deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT)

 

 

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