“In Extremis” (249) – Viver por ou para viver?

Cecílio Elias Netto

 

Entre tantas perguntas que nos fazemos a nós mesmos, penso duas serem as mais constantes: por quê, para quê? Corrijo-me, porém: será que, no delírio destes tempos de novas escravidões, seriam muitos os que se perguntam, os que refletem? Pois dizem estarmos na chamada “era do desempenho”, na qual o relevante é a obrigação, a eficiência, o rendimento. Transformaram o trabalho humano em algo que dignifica o homem. Porém, na alegoria da criação, trabalhar foi um castigo. “Vai, agora, ganhar o pão com o suor do seu rosto!” – ordenou o Criador à Criatura.

No entanto, permanece a ideia – ou a esperança? – de um paraíso. Aquele que nos contam ter-se perdido. E seria um jardim. O das delícias, do prazer, o “Gan Eden”. Em todos os tempos – desde os hominídeos, talvez – sonhar era, foi preciso. E ainda é. O grande empecilho – na loucura de um materialismo martirizante – parece estar na perda da razão de viver. “Por que nasci, por que estou aqui, para quê?” – indagações que nos distanciam das maravilhas de um universo que não precisa de explicações.

É o “mysterium tremendum et fascinans”, ainda inacessível à razão e à condição humanas. E somos parte, partícula dele. O quê, pois, pode haver de mais privilégio, de graça? Carregamos experiências tantas que, na realidade, são descobertas, somatório de nosso cotidiano. Um aprendizado diário. Mas, de tantas preocupações, de tanto nos perdermos à falta de estabelecer prioridades – ou de o fazer equivocadamente – desperdiçamos essa escola da existência. E lá, então, interrogarmo-nos: por quê, para quê?

Em meus passeios pelas Humanidades, aprendi a refletir também a partir da narrativa de Platão a respeito de Tales de Mileto. Que este – o primeiro metafísico – observando as estrelas, olhando para o céu, caiu num poço. Alguém próximo comentou: “Tales queria tanto saber o que havia no céu que não enxergou o que estava diante dele, a seus pés.” O óbvio, pois, por mais ululante seja – como Nelson Rodrigues o qualificava – acaba por ficar-nos oculto.

Talvez, irracionalmente – sei lá qual razão o motive – somos levados a fazer planos sempre para o amanhã, para o futuro. Nosso, dos filhos, netos, da família… O hoje parece-nos existir para esquecer o ontem e aguardar outro amanhecer. Queremos que as horas passem. Que o dia termine. Cada ano que se encerra é menos um para se chegar à aposentadoria. Para, então, viver o “nada fazer”. E ser dono da própria vida, como se já não o fôssemos desde o assumir responsabilidades de adultos. Incrivelmente, a mesma criatura que ansiou por movimentos, por liberdade, põe-se a desejar uma inércia cheia de encantos.

Mas, ora, a inércia! Ora, o tempo para o lazer, para o “ócio produtivo”! – dizem os donos das coisas. Pois, para eles, viver apenas para o trabalho é fundamental. Viver para fruir, isso é secundário. Afinal, lá pelas origens do capitalismo primitivo, já se dizia ser, Deus, o primeiro industrial, o primeiro produtor. Só que – quem não se lembra? – embraveceu quando seu primeiro produto resolveu agir por si próprio. E, na primeira ação machista, puniu Adão por ter comido a maçã de Eva. Mandou-o ganhar o pão trabalhando. Quanto a Eva, parece nada ter-lhe acontecido… Penso o Criador saber ter-lhe sido melhor não enfrentar mulher.

Logo, pois, o mais inteligente é deixar de perguntar-se sobre os porquês e para os quês das coisas. E fruir do privilégio da vida, preferencialmente saboreando a partícula “com”. Comigo, com a família, com amigos, com a realidade, com sonhos, com esperança, com alegria. E com gratidão.

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana

 

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