Posicionamento foi defendido pelo neuropsicólogo Sérgio Teodoro, que ministrou palestra sobre o tema em evento promovido na Câmara
Do Poder Público à iniciativa privada, dos serviços de atendimento na saúde ao mercado de trabalho, a necessidade de a sociedade se adaptar à realidade das pessoas com transtorno do espectro autista é urgente, segundo o neuropsicólogo Sérgio Teodoro, diretor do CVA (Centro Vínculo Autista). Ele defendeu o posicionamento ao ministrar a palestra “Autismo: ações e reflexões”, promovida pela Escola do Legislativo, da Câmara Municipal de Piracicaba.
O evento, realizado no salão nobre, na tarde desta sexta-feira (7), e transmitido ao vivo pela TV Câmara, reuniu um público formado por mães, pais e avós de pessoas com TEA, que puderam expor suas vivências e as dificuldades que enfrentam por, como salientado nas participações ao microfone, lidarem com situações em relações às quais a sociedade ainda não se mostra preparada.
Exemplos como o atrito entre vizinhos, em que uma família com filho autista é alvo de reclamações de outra moradora, e a demora para a obtenção de laudo que ateste a condição de um aluno que carece de acompanhamento em sala de aula foram compartilhados ao final da palestra, após reflexões trazidas por Sérgio Teodoro sobre a urgência do tema.
Diretor da Escola do Legislativo, o vereador Pedro Kawai (PSDB) abriu o evento destacando a oportunidade aberta pela Câmara para “discutir políticas públicas e promover a participação da sociedade dentro da Casa” —a palestra também foi acompanhada por membros da Auma (Associação dos Amigos da Criança Autista).
Sérgio Teodoro, que contou ter dedicado os últimos dez anos a visitar famílias com crianças autistas, explicou como o autismo, mencionado pela primeira vez na literatura médica em 1906, foi objeto de estudos até ser conceituado como “distúrbio complexo do neurodesenvolvimento”. “Simplificadamente, o autismo é um transtorno de comunicação, em que um lado tenta se comunicar e o outro lado não está entendendo”, comparou o palestrante.
O neuropsicólogo apontou características que podem identificar o autismo em uma criança, tais como: pouco contato visual; comportamento arredio; preferência a objetos em vez de pessoas; risos e choros imotivados; e manifestação de desconforto ante estímulos múltiplos. Ele criticou, no entanto, laudos que são emitidos precipitadamente e ressaltou a importância do diagnóstico a partir de um acompanhamento detalhado e profundo da pessoa.
Sérgio Teodoro chamou a atenção para a alta nos diagnósticos de pessoas com autismo: “Na década de 1970, eram menos de 0,5% para cada 10 mil nascimentos. Na de 2000, a cada 1 mil, dois poderiam ser. Em 2010, a cada 110 nascimentos, um era de autista. Em 2020, foi um em 54 nascimentos e, em 2024, um em 36”.
A nova realidade, reiterou o palestrante, exige compreensão dos diferentes atores da sociedade, já que seus efeitos alcançam desde as famílias (“Muitas vezes desagregadas, desacreditadas, com conflitos entre esposa, marido e filhos que não têm o autismo”) até o mercado de trabalho (“As empresas ainda não sabem como inserir”), passando pelo lazer, com estabelecimentos criando ambientes próprios para pessoas com TEA, e pela prática religiosa (“Há igrejas se adaptando com espaços sensoriais”).
Tanto sob gerência privada quanto no Poder Público, saúde e educação também precisam estar preparados, defendeu Sérgio Teodoro. “Têm planos de saúde que não estão mais aceitando famílias com pessoas com autismo. E a rede pública está precisando se readaptar e procurar alternativas para atender essa família.”
Já os estabelecimentos educacionais, de acordo com o neuropsicólogo, que também é professor, precisam deixar de lado a ideia de que basta “fazer uma palestra e está tudo bem”, visto que lidar com a realidade de um maior número de estudantes com autismo requer ações de acolhimento que considerem o aluno, seus colegas de classe, os educadores e a família dele.
“Toda inclusão precisa ter, antes, conscientização”, salientou Sérgio Teodoro, que disse observar que muitas escolas ainda “não prepararam o terreno para a inclusão” do aluno com autismo, “em como interagir com os coleguinhas e os funcionários, que muitas vezes não sabem o que fazer diante de uma crise”.
O neuropsicólogo defendeu que seja feito “investimento a médio e longo prazos em quem vai ser adulto no futuro”, já que “a inclusão que não é bem pensada vira contra a pessoa que está nesse processo, que se torna mais vítima ainda”. Sérgio Teodoro reforçou que a tomada de decisões para a inclusão das pessoas com autismo “é para já”. “Não há nada de romântico nisso, mas, sim, muito de desafiador ao profissional, ao Poder Público, às empresas, aos planos de saúde”, afirmou.