Colombo sem cabeça

Camilo Irineu Quartarollo

 

Há protestos contra monumentos de personagens históricos e no Brasil o Borba Gato continua de olhos sobre nós. Estão jogando aos rios, como no Reino Unido fizeram com o traficante de escravos Edward Colston. Este tem nome e sobrenome. Os nossos escravocratas também não são desconhecidos, são notórios, pessoas públicas, estão nos documentos de cartório, em atas da câmara dos deputados das províncias, em bons livros de História como Em costas Negras, de Manolo Florentino. No século XIX, faziam parte da Câmara dos deputados do Rio e em maioria eram comendadores, comenda da Ordem de Cristo dado pelo Imperador, que lhes tinha muita amizade. A capital do Império era o Rio de Janeiro onde há o Cristo Redentor, esse não, hein!

Hoje vi que decapitaram a estátua de Cristóvão Colombo. Não me preocupo, pois, minha família não tem monumentos, nem no cemitério.

O intuito do movimento é resgatar a verdade histórica e de condenação da homenagem hipócrita. Não menos estranho são nomes de ruas, que dependem de uma votação na câmara de vereança e se ninguém protestar fica ou altera o nome antigo. Por vezes, nem é pessoa ruim, mas o antigo era mais característico ou representativo, como em Santos, na alteração de Avenida Portuária por Governador Mário Covas Júnior. Ninguém vai se indispor com família de ninguém, então fica válido. Acho que nomes de ruas deviam ter nomes de “rua”, e gente nome de gente. Já existem movimentos também no sentido de alterar nomes de rua com homenagem a personagens maus da nossa história.

É comum nutrir respeito por vários vultos como o capitão fundador Antônio Correa Barbosa e outros. A história da cidade é bem mais complexa que um posto de vigia, tivemos nativos que foram considerados selvagens, mas que, como no Brasil de Ilha de Vera Cruz à terra de Santa Cruz, a cidade de Piracicaba mudou de nome, Vila da Nova Constituição (1856) – homenagem à constituição de 1824 de D. Pedro I, que protelou a escravidão para inglês ver, não a de Ulisses, rsrs, mas aqui ficou sendo o lugar onde o peixe para, i óia, i pesca, ara. A força das águas e as vozes do Salto são mais fortes. O nome de nossa cidade é indígena, mas cadê os índios?

Vejo que monumentos existem, são coisas feitas e postos nas praças com cerimônias, as famílias presentes, políticos e o povo vê bestializado, contudo na mesma noite, as pombas as inauguram com bom excremento. A questão me parece simbólica e de massificação de valores falsos ou verdadeiros, mas todos os homenageados devem ser batizados pelas pombas.

Não é simplesmente retirar um monumento embosteado ou mudar por Lei municipal. O ato de jogar no rio a estátua do traficante foi um ritual e simbólico o ato de decepar a cabeça de Cristóvão Colombo. Se a memória histórica foi ultrajada carece de um “exorcismo”, não com água benta de um padre ou unção acalorada de um pregador, mas diria, de uma pajelança com danças e urras.

Notório achei a retirada da cabeça do Cristóvão Colombo. Uma boa seria não retirar o monumento inteiro, não; mas transformá-lo, reduzi-lo ao que realmente deveria ser, tirar a cabeça e uma placa tipo: foi retirada em protesto, porque era um homem sem alma.

Creio que não podemos negar simplesmente o passado e o pecado de omissão ou tibieza de nossos ancestrais, mas alterá-los para o que realmente é, pois, a História anda para frente.

_______

Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor de A ressurreição de Abayomi dentre outros

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima