Na fundação do Império, três figuras de excepcional grandeza

Armando Alexandre dos Santos

A Constituição de 1824 não pode ser entendida por quem abstraia do contexto em que ela foi elaborada, – um contexto profundamente marcado pela Revolução Francesa.

Tão importante foi essa Revolução que uma expressiva corrente de historiadores de nosso tempo chega a negar que tenha existido uma Idade Moderna e que tenha existido um único Renascimento. Preferem falar numa sucessão de Renascimentos (o carolíngio, nos séculos VIII e IX, o do esplendor e apogeu da Idade Média, no século XIII, e depois o Renascimento propriamente dito, o humanista, a partir do século XIV) e preferem estender a Idade Média até a Revolução Francesa. É o que chamam de “Longa Idade Média”. Entendem que foi a Revolução Francesa, e não o Renascimento, que assinalou o fim da Idade Média e do que ainda restava das instituições feudais.

Para essa posição propendem, entre outros, os franceses Jacques Le Goff, em Uma longa Idade Média (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 67-88), e Alain Guerreau, em O feudalismo: um horizonte teórico (Lisboa: Edições 70, 1980).

A Revolução Francesa não atingiu apenas a França, mas teve efeitos que se estenderam a muitas outras nações. Depois de um verdadeiro banho de sangue, no período do Terror, a situação evoluiu para o Diretório, o Consulado e, por fim, para Napoleão Bonaparte, que levou os princípios da Revolução a toda a Europa, desde o longínquo Império Russo até Portugal. Seus exércitos tudo varreram, tudo puseram de pernas para o ar. O mapa da Europa foi consideravelmente redesenhado. Soberanias antigas e dinastias centenárias foram derrubadas.

Nesse contexto conturbado, graças ao tino político do Príncipe D. João, que governava como regente no impedimento de sua mãe D. Maria I, Portugal até que se saiu muito bem. Não podendo resistir in loco à invasão francesa, o futuro rei D. João VI teve o bom senso de executar um plano muito antigo já esboçado desde o século XVII: transferiu-se com toda a sua Corte para o Brasil, onde desenvolveria uma ação governativa de grande alcance.

  1. João VI discerniu que era inevitável uma separação política do Brasil com Portugal; sentiu que as circunstâncias estavam tornando tal separação iminente. Soube prepará-la da melhor forma possível, deixando seu filho como nosso primeiro imperador. Conta-se que, ao partir para Lisboa, em 1821 – aliás, a contragosto, pois pretendia ficar mais tempo no Rio de Janeiro, consolidando sua imensa obra de criação de um império – disse ao filho: “Pedro, apanha essa coroa e põe-na sobre a tua cabeça antes que algum aventureiro lance mão dela”.

O aguerrido e impetuoso Pedro I seguiu à risca o conselho paterno. Sem a permanência da dinastia brigantina no Brasil, teríamos o mesmo destino da América espanhola: ter-nos-íamos fragmentado numa série de repúblicas e republiquetas, dominadas por caudilhos e aventureiros.

Nessa emergência, atuavam conflitantemente elementos de ruptura e elementos de continuidade. Havia radicais extremistas que queriam precipitar os acontecimentos em um sentido revolucionário que, a ter prevalecido, teria produzido a fragmentação do Brasil. Igualmente já não era possível um retorno sem mais ao statu quo ante, ou seja, para usar uma palavra bastante imprecisa, recolonizar o Brasil, retrocedendo ao período anterior a 1808.

Nessa altura é que se revelaram, entre outras, três figuras que protagonizaram papel histórico de grandeza: o Imperador D. Pedro I, sua esposa D. Leopoldina e José Bonifácio de Andrada e Silva. Falaremos deles, e de seu papel na elaboração da Constituição de 1824, no próximo artigo.

 

 

 

 

 

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia

Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

Frase a destacar: Sem a permanência da dinastia brigantina no Brasil, ter-nos-íamos fragmentado numa série de repúblicas e republiquetas.

 

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