Desespero só piora

José Renato Nalini

 

Parece que alguns acordaram tarde. Não deram ouvidos aos cientistas que, há décadas, vinham alertando sobre os efeitos desastrosos do aquecimento global. Um deles era o de que o nível do mar aumentaria. Cidades litorâneas seriam engolidas pelos resultados do degelo das calotas polares.

Agora, tentam alargar as praias, querendo retomar ao oceano o que é dele. Em vários pontos do litoral brasileiro verificam-se dispendiosas obras de intervenção nas praias. Santa Catarina parece o Estado mais empenhado em contar com o acréscimo de orla, pois o turismo é uma indústria poderosa.

Essa tentativa é ilusória. Tem vida curta. Prevê-se a criação de degraus na areia e prejuízos à biodiversidade marinha. A pressa em mostrar resultados, principalmente em ano eleitoral, faz com que não sejam aguardados os resultados das análises dos impactos socioambientais. Estes duram mais do que a obra, feita a toque de caixa.

Jurerê, no litoral catarinense, é a proposta mais ambiciosa. Aumento da faixa de areia em 3,38 km. Um volume dragado de 491,2 mil metros cúbicos de areia e, após terminada, uma faixa de trinta metros, a um custo aproximado de vinte e cinco milhões de reais.

Não foi por falta de aviso. Agora em outubro de 2023, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina emitiu nota técnica pretendendo a reversão do uso dessa engenharia. Não se compreende ainda, ao menos integralmente, os efeitos que esse acréscimo artificial causará. Um dos mais prováveis é a ameaça à atividade pesqueira. Pois a obra depende de ser dragado o fundo marinho, detentor de uma biodiversidade ainda desconhecida.

Não é simples pretender “reformar” as praias, que são obra da Providência e não produto humano. Se o aquecimento global não cessar, o fenômeno da invasão das margens pelo mar será irreversível. Toda vez que o homem se propõe a substituir o Criador – ou a natureza, para os agnósticos – isso não dá certo. Agora o desespero de quem vê desaparecer a orla e afugentar o turismo, com a erosão que chegará até à indiscriminada edificação em zona que deveria ter sido preservada, custa milhões para uma população já assustada com a carga tributária de um país que reserva cinco bilhões para propaganda eleitoral e cujos parlamentares gastaram fortuna em autopromoção no ano de 2023. O desespero deveria gerar outras soluções para problemas que derivam da inconsequência humana. Mas a humanidade é assim mesmo. Será um defeito de fabricação?

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José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo

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