Capitães do mato na USP – (conclusão)

José Maria Teixeira

 

WASHINGTON (30/06/2023) – A Suprema Corte dos Estados Unidos restringiu nesta quinta-feira, 29, a adoção de cotas raciais em universidades públicas e privadas no país. Por 6 votos a 3, com os juízes de orientação conservadora votando de maneira conjunta, a Corte acatou um recurso contrário aos programas de cotas das Universidades da Carolina do Norte e de Harvard.

Desse episodio, lições aos pretos, pardos, indígenas e também aos brancos deste nosso Brasil. Primeira: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Segunda: quem quer o fim cultiva os meios (editoriais do Jornal a Folha). Terceira : se isso aqui ocorrer será uma tragédia para todos pois não há  forma de convivência pacifica, fraterna, justa entre desiguais. A Lei de cotas é uma questão de fundo para a Nação brasileira.

A pesquisadora Viviane Angélica Silva manifesta-se surpresa com o pioneirismo da USP na discussão racial desde a sua formação. Porem, enfrentou dificuldades para iniciar sua pesquisa devido à ausência de um censo racial dos professores, principalmente pela baixa incidência de negros na docência.

Negros são 2% dos docentes da USP. Atualmente, na USP, há apenas 125 pretos e pardos em um total de mais de 5.531 professores, o que equivale a 2,3% do total. O coletivo de docentes negras e negros da universidade surgiu às vésperas das eleições para reitor realizadas no fim de 2021. E confessa: “Eu me deparei com a questão: se a USP é a universidade que mais tem trabalhos sobre a questão racial no país, então por que não tem docentes negros? Quem fez esse debate?”, pergunta Viviane.

Embora a Universidade tenha sido oficialmente criada somente em 1934, sua pesquisa inicia o diálogo a partir da fundação da Faculdade de Direito, no ano de 1827, que foi posteriormente incorporada à USP. Na tese, a pesquisadora afirma que, desde a metade do século 19, corriam no Brasil teorias raciais que atravessaram a Faculdade de Direito e posteriormente a Faculdade de Medicina, onde estavam localizados os homens que deveriam pensar o “novo projeto de país”.

De tudo o que ai está elucidado pela pesquisa da doutora Viviane não há como negar a presença de uma atuação aberta perceptível contra os “ppis”, os pretos, pardos e indígenas no âmbito da USP, amparada por ela mesma.

Responsável pelo jornal laboratório Notícias do Jardim São Remo, onde os alunos produzem um jornal comunitário para os moradores do local, o professor negro, Dennis de Oliveira, conta que ocorre uma grande desvalorização da temática e do seu trabalho com a comunidade, de modo que “as atividades ligadas à área comunitária são diminuídas, a ponto de pedirem para acabar”.

No cargo de chefia, sua maior dificuldade é lidar com instâncias superiores para tratar de pautas que reflitam a respeito da situação dos negros na universidade, pois considera a USP uma universidade “racista e elitista”. A aprovação de 13,5% das vagas dos cursos de jornalismo e editoração para cotas raciais no SISU se deu em maio deste ano, depois de intensos debates que se intensificaram devido a “pressão dos alunos durante a greve”.

Para o professor, é estritamente necessário mostrar iniciativa para discutir essas questões, pois “a maioria dos colegas [de departamento] não estão muito preocupados com isso”. Esta é, sem sombra de dúvida, mais uma inequívoca prática dos capitães do mato presentes e atuantes no corpo da universidade.

Então, aspirando e respirando o ato político da tese da doutora Viviane, os coletivos negros já existentes no seio da universidade, uníssonos, devem constituir uma força invencível em defesa não apenas das comissões heteroidentificaçao, mas, sim, da USP como um todo. Mesmo porque, por razão de consciência histórica, o projeto USP há que ser reescrito tendo os “ppis”, sem favor nenhum de ninguém como partes integrantes do mesmo.

Para tanto, missão ativa dos coletivos negros da universidade é ter todos e cada um dos doutores negros como integrados no mesmo corpo docente que ali os formou. Assim, talvez dos 2% de professores negros e negras hoje de um  total 5.531, possa em meio século se aproximar num equilíbrio mínimo nesse espaço que também deve ser e é dos “ppis”, embora ainda haja em cada quadrante da Universidade capitães do mato em função urbana.

Mesmo assim não há desanimo. Há, sim, esperança  concreta de mudança.  Somos seres humanos sujeitos de direitos e deveres dotados de inteligência e vontade livre.

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Jose Maria Teixeira, professor

 

 

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