Entrevista: “A História é implacável”, garante José de Marco Alves Zinsly

José de Marco Alves Zinsly – Crédito: Divulgação

JOÃO UMBERTO NASSIF

José de Marco Alves Zinsly nasceu no dia 01 de dezembro de 1961 em São Paulo, filho de José Sebastião Alves e Aracy de Marco Alves. Seu pai era ferroviário, trabalhava na Estrada de Ferro Sorocabana, era conferente na Estação Barra Funda. Ali concentravam-se as mercadorias para serem enviadas para o porto de Santos. Quando ele tinha de 4 para 5 anos de idade, houve a separação dos seus pais, sua mãe foi trabalhar como cabelereira, depois ela prestou um concurso para Servente de Escola Pública do Estado de São Paulo. Aos cinco anos de idade, ele mudou-se com sua mãe para Carapicuíba. Onde cresceu e estudou até completar a oitava série na Escola Estadual de Primeiro Grau Vila Caldas que depois passou a ser denominada . Escola Estadual Amos Meucci. Nesse período sua mãe foi trabalhar em Osasco, para onde se mudaram. Nessa escola também José Marco estudava. Quando José de Marco concluiu o terceiro ano de ensino médio, ocorreu uma passagem inesquecível: na solenidade de entrega de diplomas de conclusão (Do terceiro ano colegial), por deferência especial da diretoria da escola, foi sua mãe quem entregou-lhe o diploma de formatura. Uma grande emoção tomou conta do ambiente.
Esse gesto foi tão significativo, que desde então, quando é convidado para ser paraninfo de alguma turma, José Marco costumo quebrar a ritualística, quando algum aluno que está se formando é filho de funcionário.

Nesse período você trabalhou em algum lugar?
Com aproximadamente cinco anos de idade fui morar em Carapicuíba, minha mãe nos levou. Ela foi acolhida por uma família que ela conhecia, fomos morar naquilo que era denominado “cortiço”. A nossa casa era composta por um cômodo só! Quando eu completei nove anos de idade já fui trabalhar. Naquela época não existiam as grandes redes de supermercado. Tudo se comprava na feira. Eu então fui trabalhar na feira com um vizinho, como eu era muito pequeno, ele me colocava em cima de uma caixa de frutas, para lavar os copos, a barraca dele era de pastel e caldo de cana. Ao final da feira, eu recebia como pagamento, uma jarra de dois litros de caldo de cana, alguns pastéis e alguns trocadinhos, que eu gastava durante a semana na escola.

Você teve irmãos?
Tive duas irmãs: a mais velha, a Regina, que tinha prendas domésticas, a mais nova é a Cristina, foi estudar, era escrivã de polícia, infelizmente há alguns anos ela foi assassinada. Eu já morava em Piracicaba, acabei trazendo dois filhos dela para cá.

Voltando a sua atividade na feira, qual foi o seu passo seguinte?
Descobri que podia ganhar mais dinheiro trabalhando como carregador. Estamos falando da década de 60. Comprei uns rolimãs (rolamentos de veículos), fiz um carrinho e como as pessoas da feira até as suas casas percorriam grandes distâncias, eu colocava as sacolas no carrinho e acabava levando as compras das senhoras. Passei a ganhar mais. Nessa época já tínhamos saído do cortiço, minha mãe estava mais estabilizada, minhas irmãs estavam trabalhando, mudamos para uma casa onde havia um abacateiro muito grande, quando era temporada de abacate, eu levava um lençol, no final da feira, estendia no chão e colocava a mostra os abacates! Quando não era temporada de abacate eu fazia pipa para vender. Em temporadas todas as vezes que vinha um parque na minha cidade ou um circo, principalmente o “Circo Hermanos Stankowich”, eu trabalhava no circo, a primeira vez, fui lá, disse que precisava de emprego, eu era contratado por um casal que fazia o “Carro Maluco”. Eu saia com os tabuleiros dentro do circo percorrendo as arquibancadas de madeira, vendendo algodão doce, vendendo refrigerante, todas as vezes que o circo ia lá. Para mim era uma diversão! Além de ganhar um dinheirinho eu assistia a todos os espetáculos. Quando vinham os parques eu também aproveitava para ganhar um dinheirinho. Eu trabalhava naquela barraca de argolas, onde a pessoa comprava um determinado número de argolas, e a distância lançava sobre um tabuleiro grande, onde havia os prêmios: refrigerantes, vinhos, maços de cigarros, foi interessante, eu desenvolvi uma habilidade, isso porque até chegarem as pessoas para que eu atendesse, eu ficava treinando, acabou tornando-se histórico, após passar a ser professor em escolas com festas juninas que faziam isso, era quase desleal se eu participasse do jogo de argolas: praticamente acertava todas. Depois disso tudo, minha família mudou-se para Osasco, eu andando no meu novo bairro vi um deposito de material para construção. No fundo do depósito faziam blocos para construções fui lá, bati e pedi emprego. Trabalhei por muito tempo fazendo bloco, mexendo em concreto. Até os alunos do ensino médio me chamavam de “Zé do Bloco”. Trabalhando ali, retornei para a feira, um colega de trabalho na fábrica de blocos trabalhava também na feira em uma barraca de frutas, em Osasco. Eram feiras monstruosas. Eu estudava a noite, trabalhava durante a semana na fábrica de blocos, sábado e domingo ia para a feira. Saia as duas horas da manhã, a barraca de frutas era a maior, quando terminei o ensino médio até uns 4 anos após me casar eu ainda trabalhar na feira por obrigação pela ajuda que esse dono de barraca me deu. Na compra de livros, me ajudava com passagem de ônibus, e o mis importante, como éramos muito pobres, a minha mãe tinha o sonho de ter a casa dela, ela tinha passado a vida inteira pagando aluguel, ele me registrou, e a partir do meu registro, mais o salário da minha mãe, tivemos a primeira casa própria na COHAB de Carapicuíba, assim retornamos para Carapicuíba. Por gratidão, mesmos após casado, mesmo já atuando como professor, como bancário, continuei trabalhando por muito tempo na feira aos sábados e domingos. Até noje quando retorno para a minha cidade eu passo lá, ele parou com a feira, mas a família dele tem padaria no centro de Osasco. Vou lá tomar um refrigerante!

Com que idade você se casou?
Casei-me em 1984. Quando me casei, estava no período de transição. Eu trabalhava na feira e na fábrica de blocos, um dia um amigo disse-me: “ Tem a matriz do Bradesco, fica na Cidade de Deus, eles estão recebendo currículo”. Fui lá, passei por um teste, uma entrevista, fui contratado pelo banco. Eu estava ainda no ensino médio, era garotão, fui contratado como office-boy interno. Devia ter de 16 para 17 anos. Tinha um chefe que um dia me disse: “Tem uns cursos que vão sair no banco, vai lá e faça! ”. Fui fazer, após pouco tempo, fui promovido para escriturário! Foi uma festa! Logo em seguida veio outra promoção para encarregado de setor. Depois, chefe se seção. Nesse tempo estava começando a implantação dos cartões magnéticos. O Bradesco foi o primeiro banco a implantar o cartão magnético. Fui fazer um curso de tecnologia na Fundação Bradesco, passei a trabalhar na área t[técnica. Quando era feriado no Estado de São Paulo, como eu trabalhava na matriz do banco, eu tinha que trabalhar. Era a época em que haviam os malotes de arrecadações. Microfilmávamos tudo! Passei de operador para técnico nessa máquinas de microfilmagem. Usávamos ainda lâmpadas, aquelas coisas monstruosas! Na época de ginásio eu conheci dois professores que foram importantes na minha vida: o Professor Roberto, era um marxista ferrenho. Ele começou a conversar comigo, e me levou ainda muito menino, para fazer parte da Juventude Marxista. Fui militar na esquerda, em Osasco, onde nasceu a luta de classes. Todo mundo acha que foi no ABC, foi em Osasco! Fui fazer a Faculdade de História por conta da militância política. Eu não tinha interesse em lecionar. A Graduação de História fiz na Universidade de Guarulhos. Para ir para a faculdade, eu morava em Osasco, pegava um ônibus da minha casa até o centro de Osasco, lá pegava o trem até São Paulo, lá na antiga Praça Duque de Caxias, pegava outro ônibus até Guarulhos. Saia da faculdade a noite às 22h40 e chegava em casa 1 hora da manhã todos os dias. Era uma viagem! Fui estudar História por conta da militância e essa é uma dor que eu tenho, porque parei a minha vida acadêmica. Ajudei a consolidar o PT na minha cidade. Prestei um concurso, passei para Secretário de Escola. Ficava na periferia da periferia de Osasco, chamava-se Escola Estadual Tarsila do Amaral. Fiquei um tempo lá, como secretário de escola, como atuava no partido de esquerda, fui atuar dentro da categoria, dos funcionários da educação administrativo, e aí exerci por vários anos a função de Conselheiro Regional, depois fui para a Diretoria do Sindicato, a Afuse – Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação de São Paulo.

Tinha remuneração?
Tinha afastamento sindical. Era um funcionário do Estado afastado na diretoria do sindicato. Chegou um tempo em que todas as entidades da educação resolveram formar uma Confederação dos Trabalhadores na Educação no Brasil inteiro. Isso na d´cada de 80.

É um período de transição política no pais?
Sim! Atuei em um período complicado da história política do País. Aí fui para a Diretoria da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Ai já eram todas as categorias, de funcionários a supervisores de ensino. Cumpri um mandato na diretoria. A sede fica em Brasília, onde eu ficava bastante tempo. A minha tarefa era percorrer todos os estados, dando apoio à greve. Aqui entra um período complicado, eu tinha rompido com o Partido Comunista e me transformado em um militante mais radical. Eu era militante da Antiga Convergência Socialista que hoje é o PSTU. Militando fui da Direção Regional da CUT, conheci João Felício, Roberto Felício. Sou dessa época, militei muito com o João. Eu estava militando no PSTU, portanto era um Trotskista, radical. No final da década de 80 havia uma análise de que a Revolução Socialista iria acontecer na Argentina. A Argentina tem o MAS – Movimento Ao Socialismo, que era o maior partido trotskista do mundo! Eu já ocupava uma função de direção dentro do partido, os quadros do partido tinham que ir para a Argentina para ajudar no processo de revolução. Fui para a Argentina, quando cheguei lá, não vi nada disso. Não estava amadurecida as condições para uma revolução, um dia acordei e tive um estilo: “O que eu estou fazendo aqui? ”. Não sou capaz nem de matar uma barata! Outra coisa, aqui não tem revolução nenhuma. Comuniquei a direção do Partido que estava lá, retornei para o Brasil, rompi politicamente com o partido que estava em construção, o PSTU, rompi não só por uma questão de análise de conjuntura, rompi porque estava abandonando a possibilidade de luta revolucionária. Eu não acreditava mais na revolução. Eu tinha incorporado o que o partido chama “um desvio pequeno burguês”! Aprendi muito durante esse período todo. Amadureci. No sindicato todo mundo foi pego de surpresa, tínhamos feito muitos acordos no mundo sindical, no mundo político. Eu seria o novo presidente da entidade. AFUSE. Comuniquei que não iria mais concorrer, e estava voltando ao meu trabalho. Disse que estava voltando para o trabalho porque eu não vivia mais nas condições em que os funcionários, que os meus pares viviam. Tudo bem, eu ia a uma greve em tal estado, ficava alojado em hotel, eu tinha um vale-refeição que se eu pegasse no mês inteiro dava o valor de um salário de um funcionário. Eu já não vivia mais como alguém da categoria. O Sindicato exerce uma pressão muito forte. Por isso as pessoas não largam o osso. Você tem dirigentes sindicais que ficam a vida inteira no sindicato.

Ser sindicalista dá “status”?
Dá! Eu vivi isso, como sindicalista, visitei Piracicaba pela primeira vez, foi organizado na Câmara Municipal e Piracicaba, uma assembleia para a retirada de delegados para participar de um Congresso Nacional da CUT, vim como responsável pela eleição desses delegados da região, lembro-me de que quando chegava em uma cidade você não tem idéia de como os trabalhadores o recebiam, Isso também é uma pressão, não é só a questão financeira.

Você chegou a conhecer o Lula?
Sim! Claro! Claro! Aqui há uma grande confusão, que hoje posso revelar. O PT sempre foi formado por um conjunto de grupos políticos. De várias correntes políticas. Como eu atuava dentro de uma corrente política eu nunca fui petista! A minha corrente política praticava o que nós chamamos em termos de conceito, de “entrismo”. Um grupo revolucionário entrar em um partido com essa tática de entrismo, para ganhar quadros dentro daquele partido. Tanto que na eleição de 1989 a nossa corrente nem fez campanha para o Lula, mesmo estando dentro do PT. Nós não participamos do processo eleitoral. Tanto que a nossa corrente depois foi expulsa do PT. Como foi expulsa a corrente “O Trabalho”, “Causa Operária”, todos grupos radicais. Durante todo esse processo estive várias vezes com o Lula, quer seja dentro dos congressos do PT, ou dentro dos congressos da CUT. Sempre participei de vários congressos como delegado da minha categoria.

Qual foi a sua impressão sobre o Lula?
Quando conheci o Lula, havia uma ascensão da luta dos trabalhadores no Brasil. Muitas greves, os sindicatos ganhavam representatividade. O Lula surge como um expoente desse movimento. Porém, nós olhávamos para o Lula e pensávamos: “O Lula e o PT ainda vão enterrar o projeto revolucionário do País!”. Víamos nele um quadro importante da luta, mas não como um quadro revolucionário. O Lula nunca foi perseguido pela ditadura militar, ele nunca foi um militante que colocasse medo na ultradireita! O Lula apareceu como um militante de esquerda, que a direita olhava e dizia assim: “Esse nós podemos controlar!”. E quando ele foi eleito nós vimos mesmo que ele buscou fazer acordos e depois todas s besteiras que o PT acabou fazendo. Quando assumiu o poder. Então para mim não foi nenhuma novidade tudo aquilo que aconteceu. O presidente do PT que na época nos expulsou é João Paulo Cunha, no dia em que ele nos expulsou eu disse a ele: “A História é implacável”. Desde 1997 leciono no Colégio Dom Bosco, os colegas professores tinham curiosidade, e eu sempre dizia que: “A História é implacável”. Algum tempo depois explodiu a prisão e o envolvimento dele. A pressão do aparato sindicalista-partidário é muito grande. O PT não tinha quadros preparados. A primeira formação do PT, com intelectuais, pessoal com expertise, saíram todos do PT. Podemos citar muitos nomes, entre eles um dos grandes educadores como Cristovam Buarque, o PT quando começou a ganhar as prefeituras, na década de 80, inclusive em São Paulo com a Erundina, não tinha quadros para administrar as cidades e os estados. Por isso que ocorreu tudo isso que aconteceu na história do PT.

Foi um partido criado sem um planejamento de uma estrutura para atuar em uma dimensão necessária?
Não tinha! Não tinha capacidade! Não tinha quadros para fazer isso! Por isso o final foi toda a corrupção que se tornou pública. Pela ausência de quadros vai buscar fora, E buscando fora vem de tudo.

Você se lembra dos atentados a bomba em bancas de jornais?
Lembro-me sim! Era uma forma de censura. Inclusive nessa época “O Pasquim” teve grandes nomes em sua redação. Lembro-me que na greve geral de 84. Ficamos com a tarefa de parar as duas empresas de ônibus que tinha em Osasco. Fui com um grupo de militantes para uma empresa e outro grupo foi para outra. Estávamos com a barricada montada a partir das 2h00 horas da manhã, alguns ônibus tentaram sir, não tenho nenhum saudosismo, como me arrependo do que fiz, usamos as estratégias comum nessas ocasiões. O problema é que a polícia começou a subir com o exército até onde estavam essas barricadas. A minha irmã mais nova, que era da polícia, sabia que eu estava metido no movimento. Cada vez que havia alguma manifestação era uma preocupação para a minha mãe e para a minha irmã. Eu já tinha tido dois braços quebrados, uma perna quebrada. Nesse dia eu e um militante do nosso grupo escapamos porque a minha irmã ficou sabendo. Ela era policial, e a polícia estava indo para dispersar a greve com o uso de força. Era uma época de pouco dialogo e muita pancada. Os policiais recebiam treinamento e ordens para dispersar sem questionar. Um veículo do IML – Instituto Médico Legal, tinha ido recolher dois corpos que estavam em estado de decomposição, dentro de sacos plásticos apropriados para esse tipo de remoção. Minh irmã solicitou que esse veículo passasse por onde estávamos e o único jeito que tivemos para romper o isolamento, foi entrar dentro daquela peruinha do IML, colocaram-nos embaixo do saco contendo os cadáveres. Ainda hoje tenho a impressão de que estou sentindo o cheiro que suportamos. A polícia parou o veículo, fizeram eles abrirem a porta, pelo cheiro fecharam logo.

Nessa época você já era casado?
Estou casado em segundas núpcias. O meu primeiro casamento foi em 1984, não poderia dar certo mesmo! Eu cometi todos os erros! A minha vida era totalmente irregular, eu chegava em casa em uma semana, por exemplo chegava em casa em uma quinta-feira, ficava na seta, sábado no domingo recebia um comunicado de que tinha que ir para a Bahia onde estava ocorrendo uma greve! Eu ia, ficava por dez dias! Ai vinha outro comunicado, tinha greve em outro estado. Eu me ausentei completamente da vida familiar em meu primeiro casamento. Ficamos exatamente sete anos casados. Sentamos, conversamos, eu não parava em casa!

Você disse que dois professores foram decisivos em sua vida, um já foi mencionado e o outro?
Outro professor que teve uma influência muito grande na minha vida, foi o Professor Regis, de português. Ele era bravo, mas muito bravo! Um dia ele percebeu que eu estava fazendo anotações em um tipo diferente de papel. Isso foi em Carapicuíba, eu estava na então 5ª série. O professor chegou próximo a carteira, ainda eram carteiras duplas, cada carteira comportava dois alunos. Ele perguntou-me por que eu estava anotando naquele papel. Disse-lhe que era porque eu não tinha caderno! Minha família não tem condições de adquirir, estas folhas eu peço na padaria, com essas folhas fazia pipas, cortava-as em quadradinhos e fazia o meu caderninho. A parir daquele momento a educação começou a me incomodar. No dia seguinte na aula do professor, ele disse-me: “No final da aula você me espera ai, eu preciso falar com você”. O professor Regis chegou e me entregou uma bolsa. Abri, tinha muitos cadernos, lindos, eram o sonho da criançada, canetas, lápis, borracha, régua, esquadro, tinha tudo ali. Perguntei-lhe o que era aquilo, ele disse-me que estava me dando de presente, e todas as vezes que eu precisasse era para falar com ele. A partir daquele momento senti que tinha não só um professor, mas também um grande amigo. Ele despertou em mim o senso de ajudar ao próximo.

A condição social empurra o indivíduo para situações radicais?
Sem dúvida nenhuma! A condição social é um atrativo para captar militante para a esquerda. É muito mais difícil conquistar alguém que não tenha carência das necessidades básicas. Você conquista essas pessoas só na teoria, também só na juventude, depois ocorre um amadurecimento natural e o consequente abandono dessas ideias radicais.

E a “esquerda caviar”?
Sorrindo, José diz: Sempre existiu!

Para esses indivíduos é chique dizer que é da esquerda?
É chique! O Professor João Felício foi a última tentativa de tentar organizar os professores. Ainda com o formato anterior, dormíamos nas escolas, todos amontoados, depois não, assumiram a “esquerda caviar”! Ficavam em hotéis 4, 5 estrelas, etc.

Virou um meio de vida?
Sem dúvida. Confesso que a minha vida não era mais como a vida da minha categoria, ficava alojado em hotéis, podia comer onde quisesse, não que eu ganhasse dinheiro, mas a estrutura do sindicato me dava uma qualidade de vida superior. Pododia viajar para onde quisesse!

Esse rompimento de ideias e convicções se deu na Argentina?
Eu estava na Argentina, quando fui levado a várias reflexões, a um questionamento pessoal, fiquei até o final do meu mandato na diretoria e abandonei tudo. Eu estava com 31 anos de idade. Voltei, fui dar aulas em Osasco. Continuava indo nas reuniões do Sindicato, mas nada que fosse de forma estrutural. Não mais como militante político. Teve uma ocorrência marcante nessa época. Uma aluna em seu desespero, confiando na seriedade do meu trabalho como professor, minha solidariedade para com os alunos, essa menina revelou seu drama: sofria abusos por pare do seu pai. Imediatamente falei com a minha irmã policial, que se mostrou preocupadíssima. O problema era grave. Só que não havia um amparo legal especifico. Fui pesquisar, não havia teoria, ninguém falava nada no Brasil, é uma realidade. Descobri que dentro da USP havia o Laboratório da Criança – LACRI. Eles tinham realizado o primeiro curso voltado para a violência contra a criança e adolescente. Liguei lá, fui informado das exigências básicas para me inscrever no curso. Me inscrevi, fiz parte do 2º Grupo formado pelo Laboratório da Criança, onde a parte central é a Violência contra a Criança e ao Adolescente. Isso foi por volta de 1993. No decorrer do curso tive contato com vários projetos, O meu objeto de estudo foi o SOS Criança. Que havia em São Paulo. De certa forma mudou o meu foco de militância, sai do foco político-partidário e fui atuar em outra área. Fiz o meu trabalho de pesquisa dentro do SOS Criança, e depois disso virei um militante da causa! Ao concluir o curso, uma das tarefas nossas é ajudar a formar os Conselhos Tutelares no Brasil. Fui ajudar a formar o Conselho Tutelar de Osasco, de Carapicuíba, e após alguns anos eu vim parar em 1996 em Limeira, em um curso da UNICAMP, ajudei a formatar o Conselho Tutelar de Limeira, em Limeira assumi dentro do Conselho Educacional Municipal por conta dessa minha atuação. Mas dai eu não queria saber nada de política partidária. Desde então comecei a atuar nessa área voltada para a criança e adolescente e sempre trabalhando como professor. Lembrando-me sempre do Prof. Regis, você não será penas um professor, mas também um amigo, preocupado com o desenvolvimento do aluno. Continuei atuando em São Paulo nessas atividades. Foi quando no meio do caminho conheci Leda Maria Lacerda Zinsly, ela é de Piracicaba, nascida no Monte Alegre, na penúltima casinha do lado esquerdo, que ainda existe.

Como foi?
Tive uma reunião na escola de Osasco, em que a Leda era vice-diretora a Escola Estadual Dr Antônio Braz Gambarini, nós fomos fazer uma reunião com os professores, a conheci nessa reunião. Eu era divorciado, ela era casada, eu passei em um concurso pra Coordenador Pedagógico do Estado, fui trabalhar na mesma escola que ela trabalhava, o cupido bateu. Eu disse-lhe que era divorciado, ela era casada, no meu entender primeiro ela deveria resolver a vida dela. Assim foi feito. Casamos, e ela tinha um sonho: voltar para Piracicaba. Teve um curso na Unicamp voltado para a área educacional, ela pediu remoção para Limeira, fizemos o curso de especialização na Unicamp, o orientador nosso disse que tinha vaga no Colégio Dom Bosco e que ele iria apresentar o nosso currículo. Em 1997 chegamos em Limeira, após um ano, o padre analisou, perguntou se poderíamos mudar para Piracicaba. Ele contratou a Leda como Coordenadora Pedagógica. O padre criou uma função que não existia na época: Coordenador de Disciplina e me contratou. Viemos para cá no final de 1997, os dois contratados, até que um dia manifestei para a minha chefe, que a minha vocação era sala de aula. Um di um professor faltou, fui dar aula em substituição a ele, nesse meio tempo abriram mais salas de aula, passei a ser professor e desde então temos desenvolvido projetos junto as crianças. Passei a trabalhar na Rede Objetivo também.

Quando você foi entrevistado pelo padre ele ficou sabendo da sua vida anterior de militante?
Contei tudo! Era o Padre Orivaldo Voltolini, um dos grandes diretores que o Dom Bosco já teve. A Leda hoje é Diretora de Escola Pública, na Escola Estadual “Eduir Benedicto Scarpari”. Hoje sou professor nas duas unidades escolares do Dom Bosco, leciono História e Sociologia.

Você no início chegou a lecionar em Capivari?
Enquanto trabalhávamos no Dom Bosco e no Objetivo em Capivari, um dia disse à diretora do Curso Objetivo: “Não tem nenhum cursinho pré-vestibular em nossa cidade, vamos fazer uma parceria e abrir um cursinho, eu monto uma associação de professores, e tocamos o cursinho, a ideia é fazer um cursinho popular, para pessoas de baixa renda. Ela concordou, cobrava um aluguel baratíssimo, nós atuamos lá durante 12 anos, dando bolsas de estudos para os alunos mais carentes. O Dom Bosco ficou sabendo do projeto, nós atuamos aqui durante seis anos com cursinho preparatório para vestibular a noite, a mensalidade mais alta que cobramos durante esse projeto era de R$ 100,00. Todos professores especialistas em cursos pré-vestibulares. Tínhamos cursinho em Piracicaba e Capivari. Depois abrimos uma outra unidade em Tietê. Em Capivari tínhamos uma média de 30 a 35 alunos. No Dom Bosco chegamos a ter cinco salas a noite. Um total de 150 alunos. Nessa faixa de preço, tinha professor que pagava para trabalhar. O nome do cursinho era Cursinho Mais Vestibulares. Nesse período tivemos muitas surpresas, alunos oriundos de escolas públicas conseguiram entrar em boas universidades e concluíram depois mestrado, doutorado. Teve um aluno de Rio das Pedras, que inclusive ajudamos pagando passagens de ônibus. Esse aluno entrou em uma faculdade de medicina, onde formou-se. Ele era pedreiro. Tivemos outras aprovações: na ESALQ, em Direito, na UEL.

Há quantos anos você é professor no Dom Bosco?
Meu registro é de 1998. Já estou aposentado há três anos, mas não consigo parar. Gosto muito de ler, leio os livros com o olhar de historiador e sociólogo. Preparo para os meus alunos candidatos da Unicamp e da FUVEST. Meu outro hobby é a sinuca! Adoro o jogo de xadrez. Até 10 anos eu jogava futebol, no meio de campo.

É verdade que você cozinha bem?
Muito bem, inclusive faço a massa.

Quantos filhos você tem?
São três: Rafael. Mariana e Dayana. E cinco netos, e sou professor de aproximadamente 500 alunos.

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