O “desvairado” Mário de Andrade no Carnaval de 24

Ari Junior

 

Numa época onde não se executa mais trabalhos, mas sim ‘jobs’; não se têm instruções, e sim ‘briefings’; não se estipulam prazos, e sim ‘deadlines’, nem sequer têm-se patrões, e sim, ‘CEOs’, um professor, classificado de modernista, que se embrenha nas entranhas do nosso País para buscar nossa identidade linguística e cultural, seja em tribos indígenas ou em povoados nortistas e nordestinos, com certeza adquirirá a alcunha merecida de ‘desvairado’.  Referimo-nos a Mário de Andrade (1893 – 1945) que foi um poeta, contista, cronista, romancista, musicólogo, historiador de arte, crítico e fotógrafo brasileiro. Mesmo com esse currículo, ele quis voltar às raízes de nossa língua ‘brasileira’, sim, essa mescla de Português com os mais diversos dialetos falados pelos primeiros habitantes aqui do Brasil, os índios. Some-se a isso toda a diversidade de gírias, expressões e sotaques dos distintos locais desse nosso rincão, imagine a sopa de letrinhas instigante que ele descobriu ser falado, cantado e escrito por aqui.

Pois não é que a Escola de Samba Mocidade Alegre, de São Paulo, resolveu cantar essas viagens do nosso ‘herói sem nenhum caráter’ no seu Samba Enredo desse ano, e a coisa deu tão certo que se sagraram campeãs do desfile? Nova homenagem a Mário de Andrade, a letra abusa de termos brasileiros, quando não originais, de raízes misturadas dos povos que para cá convergiram, como por exemplo: “Jangadeiro, ê, no banzeiro, no balanço navego teu rio-mar, pra conhecer o teu sabor Marajó, tem batuque na gira do Carimbó.” Realmente, de uma riqueza de vocábulos próprios que chegariam a fazer corar de orgulho as faces embranquecidas por uso de pó de arroz do mulato Mário, vendo uma geração nova se inspirar na sua obra para dar mais patriotismo nessa arte tão popular quanto o é um Samba de Carnaval.

Mário de Andrade era um entusiasta da Cultura Nacional, tanto quanto de sua cidade natal, São Paulo. Certamente esse misto de paixão e ódio pela Capital Bandeirante que o inspirou a escrever “Paulicéia Desvairada”, obra que claramente norteou o tema do Samba da Mocidade Alegre: ‘Brasiléia Desvairada’, um trocadilho, pois iriam expor a riqueza linguística e cultural não de um pedaço em especial do nosso País, mas sim, dele todo. Mostraram que temos os mais diversos costumes, cultuando diferentes tradições, provando que somos mais que só a cor preta predominante do Nordeste, ou os traços germânicos do Sul, ou a pele cabocla do Sudeste, ou ainda a predominância indígena do Centro-Oeste, somos sim, tudo isso, juntos e misturados, o que confere ao nosso País-Continente a singularidade de ser plural.

Por tudo isso que foi exposto, uma salva de palmas à Mocidade Alegre para o Carnaval de 2024, pois a homenagem foi tão justa e tão bem aceita pelo homenageado, que o sopro do seu espírito moveu os jurados a darem-lhe o galardão do primeiro lugar entre todas, lugar que com certeza também é de Mário de Andrade quando se trata de lapidar e preservar com carinho a nossa riqueza imaterial, mas tão abundante e valiosa quanto o ouro que sai do seio de nossa terra. Resta-nos, no entanto, perguntar? Mário de Andrade nos deixou em 1945. E de lá pra cá, o que tem sido feito a fim de manter viva essa chama do buscar nossa identidade cultural Nacional? O que nosso Secretário Estadual de Educação, o Senhor Renato Feder, tem feito para que não nos descolemos de nossas raízes culturais? E o Senhor Camilo Santana, em âmbito nacional? De uma forma ou de outra, viva a Mocidade Alegre por ajudar a perpetuar a memória dum grande Brasileiro que jamais deverá ser esquecido, e viva Mário de Andrade, o ‘desvairado’ bandeirante que nos deu tanto em forma de herança cultural.

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Ari Junior, comprador e escritor

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