José Machado
Alguns colunistas deste prestigioso diário têm trazido nos seus artigos das últimas edições argumentos para tentar convencer que as investigações sobre a tentativa de golpe em nosso país são exageradas e até chegam ao absurdo de sustentar, sem corar, que os atos de vandalismo no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília contra as sedes dos Três Poderes foram fatos isolados, perpetrados por meros baderneiros, e que nada têm a ver com armação golpista.
Poderiam ter aduzido que a tentativa de explosão de um caminhão de combustíveis no aeroporto de Brasília e as manifestações violentas, com queima de veículos, em frente à sede da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula no TSE igualmente nada tem a ver com a intenção golpista.
Poderiam ter aduzido também que as inúmeras manifestações de Bolsonaro e oficiais militares contra a lisura das urnas eletrônicas, antes e depois do pleito, nada têm a ver com a trama; que a minuta de decreto ardilmente elaborada por assessores civis e militares de Bolsonaro nos ambientes do Palácio do Planalto e na residência oficial do Alvorada, minuta esta revisada pelo próprio Bolsonaro, no sentido de anular as eleições, prender o Ministro Alexandre de Moraes e implantar um regime de exceção nada tem a ver com tentativa de golpe.
Poderiam ter aduzido que não tem a ver com tentativa de golpe o fato de os baderneiros alucinados do dia 8 de janeiro de 2023, dentre os quais se incluem vários oficiais da ativa e da reserva das Forças Armadas, deflagrarem as manifestações a partir do acampamento instalado na jurisdição do quartel do Exército em Brasília, devidamente protegido pelo comandante do mesmo, que chegou a impedir a ordem emanada pelo Interventor do Distrito Federal para que a Polícia Militar acessasse o acampamento e efetuasse a prisão dos que ali se refugiaram.
Poderiam ter aduzido que na escatológica reunião ministerial, ocorrida dia 5 de julho de 2022, devidamente gravada pelo Coronel Mauro Cid, entre outras aberrações, destaca-se a fala do General Heleno, cogitando primeiramente colocar a Abin para monitorar a performance dos adversários no processo eleitoral (quando foi interrompido por Bolsonaro para não falar mais a respeito, pois esse era um assunto a ser discutido privativamente em seu gabinete) e depois para sustentar que a hora de agir tinha que ser imediata, pois as eleições não tinham VAR e que, se nada fosse feito com antecedência e urgência, seria tarde demais..
É fato que muito do que se propala decorre da delação premiada do Coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e que suas declarações precisam ser checadas rigorosamente, pois não podem de per si serem tomadas como provas cabais. É fato que no Estado Democrático de Direito ninguém pode ser julgado e punido com base em meras hipóteses, daí que a produção de provas é irretorquível. Ocorre que é justamente a partir dessa delação e o cruzamento do seu conteúdo com outros fatos, obtidos pelo acesso a mensagens encontradas nos celulares e computadores apreendidos, e outras ações investigativas, a partir de interrogatórios em andamento de personagens presos, que a Polícia Federal vem montando o quebra-cabeça, no afã de demonstrar se há (ou não) nele robustez suficiente para indiciar e configurar atos criminosos contra o Estado Democrático. O 8 de janeiro de 2023 está sendo examinado nesse contexto e não isoladamente, como querem candidamente, ou por evidente má fé, determinados articulistas desta Tribuna.
O trabalho investigativo da PF tem sido independente, intenso e muito bem fundamentado tecnicamente. O que já produziu e é de conhecimento público traz a convicção de que já há provas suficientes para indiciamento e abertura de processo criminal contra os implicados intelectuais da trama golpista, mas temos que ter a paciência de aguardar o coroamento do trabalho investigativo, a fim de que não pairem dúvidas para a sociedade.
Outra ideia absurda que precisa ser rechaçada com veemência é a de que tentativa de golpe não configura crime. Como não? Agentes do Estado, a começar pelo Presidente da República, estendendo-se para os ambientes soturnos dos quartéis, conspiram contra o Estado Democrático de Direito e ficarão impunes?! Tem sido assim ao longo de nossa história republicana, mas é hora de dar um basta à impunidade para golpistas, se queremos erigir de verdade uma sociedade democrática e civilizada, num país que está entre os dez economicamente mais relevantes do mundo.
Chega de tolerarmos a pecha de República de Bananas, onde as oligarquias se safam das punições pelo controle que exercem sobre as instituições do Estado!
Chega de carregarmos a psicose do Complexo de Vira Latas!
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José Machado (PT) foi prefeito de Piracicaba e deputado federal