Bairro Alto e personagens históricos

Antonio Oswaldo Storel

 

Na história de Piracicaba, o chamado Bairro Alto ou Cidade Alta sempre se constituiu em um segmento de destaque da Noiva da Colina. Seja por suas características geográficas, arquitetônicas ou por seus personagens, o Bairro Alto tem muita coisa gravada na memória dos piracicabanos. Separado da cidade pelo córrego Itapeva e pela antiga linha da Estrada de Ferro Sorocabana e tendo a rampa da Rua Moraes Barros como via principal até o Cemitério, sempre teve como principais  atrações, a Igreja do Senhor Bom Jesus com o Cristo de braços abertos encimando a sua torre e olhando para a cidade (inspiração da música “Sinos do Bom Jesus” de Anuar Kraide e Jorge Chadad) e o portal do Cemitério da Saudade, encimado pela frase “Omnes Similis Summus” em latim, obra de um artista italiano. Uma marca tradicional, já  desaparecida, era o famoso Bosque que existia onde hoje se encontra o Estádio Municipal e seus anexos. Restou apenas a Sapucaia, “árvore monumento” localizada numa pracinha triangular na esquina da Rua Moraes Barros com a Avenida Independência que já deu nome a um tradicional Bloco Carnavalesco que era liderado pelos irmãos Ricardo e Rubens Santana!

Tendo nascido numa chácara situada no Bairro do Saibreiro que pertencia a meus avós maternos, José e Rosa Sesso Rasera, onde fui criado e vivi até os 19 anos, conheci bem essa parte da cidade onde fui entregador do jornal Diário de Piracicaba, quando tinha meus 12 anos de idade e era aluno do Sud Mennucci. Antes disso já tinha ajudado meu pai que era leiteiro da Usina de leite e entregávamos o leite de porta em porta nas madrugadas piracicabanas. Depois nos mudamos para a Rua Bernardino de Campos a duas quadras do campo do Palmeirinha, onde vi jogarem De Sordi, Gatão e Wilson Honório (Coutinho) que morava perto de casa.

Durante minha vida, tive oportunidade de conhecer muitos personagens que ajudaram a fazer a história da Cidade Alta. Quando formado cirurgião dentista, em abril de 1959, comecei a trabalhar em um consultório sito à Rua Moraes Barros, bem ao lado da Igreja do Bom Jesus e eu costumava brincar com as pessoas que precisavam dos meus serviços odontológicos que era só olhar onde a mão esquerda do Cristo estava indicando. Ali permaneci por mais de 22 anos com intensa atividade profissional, às vezes trabalhando até alem das 22 horas.

Nesse tempo, havia um ponto de encontro, logo depois do almoço, que era na tapeçaria do Helio Grosso (o Português). O local era costumeiramente freqüentado por personagens que construíram a história do bairro. A turma dos viajantes com caminhão de transporte ou como  vendedores: o Jorge Sarruge (o Simão), o José Alcarde (Zé Macarrão), o José Buccinelli (Zé Batateiro), o Roberto Nogueira (Panhó), os irmãos gêmeos Martinho e Roberto (Bigair) Perozzi, os irmãos Waldemar, Guido e Gilberto (Beré) Rambaldo, os irmãos Zeno e Paulo (Gandaia) Hellmeister, alem de outros como o Vicente Storer (Boca Mucha), o Dr. Cassio Padovani (Prefeito) e muitos outros que costumeiramente, quando estavam na cidade, passavam lá para “assinar o ponto” e comentar as últimas. E o Português firme nas costuras dos estofamentos de automóveis, ia conversando com todo mundo e atualizando as notícias. Alguns trabalhavam com caminhões próprios, outros transportavam balas Nechar e depois também as balas Beré fabricadas pelos Rambaldo, as bolachas e macarrão da Júpiter e Aurora (dos irmãos José e Lourival Leopoldino Alves e Silvino Ometto que também tinham a representação da Antártica. Mas havia outros personagens que se destacavam como empresários como Ely Monfrinato e os irmãos Raja e Alexandre Cury (moveis), Mario (Bijeto) Guidolin (cantina), Agostinho (Neguinho) Martini Neto (fábrica de doces) Alberto Franchin e Toninho Peixe (Bar Cruzeiro), o José (Zequita) Ortiz Sobº  (loja Ao Zequita), Antonio (Vigão) Periañes (Casa Periañes),  entre outros.

A cantina do Bijeto, situada à Rua Moraes Barros entre as Ruas Bom Jesus e São João e que possuía também uma cancha de bochas, era outro local de encontro da turma. Professor Benedito de Andrade, um intelectual admirado por todos os seus alunos era personagem constante lá. Quando trabalhava até tarde da noite no consultório, eu ia lá comer um sanduíche delicioso e encontrava aquela turma toda. As piadas eram constantes. E se “pegava no pé” de todo mundo. O Miguel Sallum (Migué Turco), caminhoneiro que era doido prá dar palpites no jogo de caixeta, era um dos alvos. O velho Pupin, que gostava do boche, quando jogava a bola, saia correndo por fora da cancha acompanhando-a e torcendo com o corpo para que ela fizesse a curva que ele desejava. E ainda dava tempo de juntar alguns desses amigos e partir para as “ranchadas” na beira do rio nos fins de semana. Os ranchos do Bijeto, do Vicente Storer, do Zeno, eram os pontos onde a turma fazia comida deliciosa, e se pescavam os pintados, dourados, cascudos e mandis, a vontade. Saudade!

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Antonio Oswaldo Storel, membro do IHGP, ex-presidente da Câmara Municipal de Piracicaba

 

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