Gregório José
A crescente utilização de medicamentos tarja preta revela uma preocupante epidemia de excesso de prescrições, transformando o consumo de drogas controladas em um fenômeno marcante na sociedade contemporânea. Em um cenário onde poções e elixires sempre fizeram parte da medicina, a dependência de drogas prescritas, especialmente aquelas de controle rigoroso, para tratar condições rotineiras sem ameaça à vida, atinge níveis sem precedentes.
Em 2012, cerca de 493 mil indivíduos com 12 anos ou mais iniciaram o mau uso de uma droga prescrita pela primeira vez nos doze meses anteriores, totalizando uma média de 1.350 casos por dia. Alarmantemente, 25% dos que desenvolveram dependência no ano anterior iniciaram seu caminho com medicamentos prescritos, evidenciando a extensão do problema.
O aumento dos diagnósticos relacionados à saúde mental, especialmente depressão, é notável. Entre 2015 e 2018, os atendimentos e internações de pacientes do SUS referentes à depressão aumentaram significativamente, alcançando uma impressionante elevação de 52%. Na faixa etária dos 15 aos 29 anos, esse aumento foi ainda mais expressivo, atingindo 115%. As mudanças sociais, culturais, políticas, econômicas e profissionais ocorridas na última década parecem contribuir para esse cenário, impondo padrões extremos, altas expectativas, pressões no trabalho e uma cultura de imediatismo.
Um novo e inquietante comportamento emerge em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro: o uso indiscriminado do Venvanse, nome comercial do dimesilato de lisdexanfetamina, por indivíduos saudáveis em busca de aumento de foco nas tarefas diárias. A Anvisa liberou esse medicamento para tratar o TDAH e o TCAP, mas seu uso inadequado pode causar sérios danos à saúde, incluindo hipertensão, arritmia e até mesmo ataques cardíacos. Além disso, o Venvanse, quando utilizado incorretamente, torna-se uma ferramenta para o emagrecimento, resultando em perigosos efeitos colaterais.
Analgésicos opioides, estimulantes e benzodiazepínicos são outras classes de medicamentos frequentemente envolvidas nesse problema. A dependência dessas substâncias pode surgir pela busca irresponsável por alívio da dor, aumento de energia ou controle da ansiedade, sem supervisão médica adequada. O uso prolongado pode levar não apenas à dependência, mas também a sérios problemas de saúde mental, como irritabilidade, ansiedade e insônia.
A sociedade enfrenta, assim, um desafio complexo, onde a linha tênue entre a busca por alívio e a dependência perigosa se torna cada vez mais difusa. O “tempo de tarja preta” na vida das pessoas revela uma urgência na revisão das práticas de prescrição e na conscientização sobre os riscos associados ao uso indiscriminado desses medicamentos. O cuidado com a saúde mental deve ser abordado de maneira holística, promovendo alternativas saudáveis e sustentáveis para lidar com os desafios da vida cotidiana.
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Gregório José, jornalista, radialista, filósofo