Apocalipse, a revelação

Camilo Irineu Quartarollo

 

A mensagem de João, mesmo traduzida, chega aos ouvidos como notas sutis e discursos melódicos e precisos. João é reconhecido pelo estilo, mais que pelo nome, traz esperança e um Jesus no qual se recostara na última ceia. Depois das cartas que escreveu, mais velho, o último a falecer e de causas naturais, lhe veio em arrebatamento o apocalipse, último livro da bíblia, numa fluência dinâmica de muitos símbolos e sinais, do último apóstolo vivo e que não sofreu martírio a despeito de Pedro e outros, pois foi poupado, conforme se depreende de que Jesus assim o quis enquanto Pedro teria as mãos atadas e martírio, João não. Sua assinatura no evangelho é “o discípulo que Jesus amava”. Um privilégio? Muitos chegam a duvidar que o apocalipse lhe pertença a este João como autor.

Parece que ter andado com Jesus trouxe a João muitas descoberta, por certo “caíram-lhe muitas fichas”, das quais não guardou somente para si como um privilégio. Seu evangelho é riquíssimo, inteligente, aproxima o leitor de quem estivera próximo e com a coragem de não se eximir. João tem boas relações, assim como Jesus tinha com todos, inclusive com ricos e fariseus da época. João pede à serviçal de Anás deixar Pedro entrar no pátio da casa de Anás na noite em que Jesus esteve sob julgamento ilegal. Ele, finalmente, está aos pés da cruz e diante do escárnio ainda, sob risco de ser crucificado também. Ele que é escolhido para “filho” de Maria, visto que viúvas e mulheres sozinhas (sem direitos de propriedade) padeciam nas mãos de escribas, que devassam suas casas e ficavam com os bens.

O que faz uma pessoa se expor tanto como João? Um letrado, um homem de prestígio e boas relações na sua comunidade? João enfrenta as circunstâncias adversas com a visão crítica do reino, do reino que está além-mundo, além corrupção humana.

João mostra que o cristão é inflexível em situações de injustiça. No apocalipse, João exorciza a igreja nascente, os bispos ou anciãos que ele chama alegoricamente de anjos, e se dirige até mesmo à igreja que está em Babilônia, na verdade Roma, na cifra da figura histórica de comparação, igreja que está no epicentro do império, nas catacumbas, numa situação análoga a qual os judeus estavam quando deportados. Tece críticas ferozes contra a simonia dos “anjos” destas igrejas nos selos dirigidos a elas.

De tantos males onde fica a esperança? João o diz, as entrelinhas de João já seriam suficientes para expor o espírito consolador de seus escritos, não menos enérgico e inflexível contra a iniquidade. Por fim o cordeiro vencerá.

Jesus teria dado um pão úmido a um inimigo? João viu. Quem me trairá, disse o mestre, é este a quem darei o pão molhado, pois dar o pão e já molhado era cortesia. Mesmo traído, a mensagem do reino é esta, o Amor que sofre e vence, incólume.

Pode ser inclusive que o “discípulo que Jesus amava”, esta designação reconhecida pelos estudiosos como assinatura do próprio autor do quarto evangelho, antes de ser vaidade, predileção ou privilégio de João, talvez esteja aí um trocadilho jocoso, espirituoso. Seguindo o princípio da não acepção de pessoas ou nações. João não está dizendo que os outros não o sejam ou que ele “é” o discípulo amado. Na verdade, usa uma figura de realce, de ironia, fazendo-se de canal, não como fim do amor ágape, sem medida, da forma de como Jesus amava a cada qual.

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Camilo Irineu Quartarollo, Escrevente Judiciário, escritor, autor de A ressurreição de Abayomi, entre outros

 

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