Antonio Oswaldo Storel
Os chamados órgãos dos sentidos existem para que o ser humano viva e se relacione com os seus semelhantes e com os demais seres vivos que o rodeiam na natureza. Todos eles são extremamente valiosos e complementares para a plenitude da vida humana. Quando algum deles não funciona, os demais se aperfeiçoam de tal forma, permitindo que a vida seja vivida em plenitude, mesmo assim.
Mas não resta a menor dúvida de que o olhar de uma pessoa, além de captar as imagens que se apresentam e leva-las ao cérebro para serem sentidas e assimiladas com todas as nuances físicas e psicológicas agregadas, ele possui uma força incrível em transmitir um sentimento ao ser que é olhado, quando os olhares se cruzam no tradicional gesto que costumamos chamar “olho no olho”.
O despertar do amor que pode durar a vida toda entre um homem e uma mulher, começou no cruzamento dos olhares dos dois jovens, pela primeira vez. E a imagem daquela primeira vez em que os olhares se cruzaram, fica gravada na retina e na consciência para todo o sempre. Ainda está viva em mim a imagem do primeiro olhar que trocamos, eu e a minha amada esposa Mari, lá no longínquo 1956, numa quadra de esportes de Lins, onde se desenvolvia um jogo de basquete. Ela assistindo o jogo e eu, estudante de Odontologia, dando cobertura para um jornal esportivo ao qual eu prestava serviços. Aquele olhar marcou as nossas vidas para sempre!
Nós, os mais antigos, nos lembramos bem do que significava o olhar de um pai ou de uma mãe, na educação dos filhos. Não era preciso dizer nenhuma palavra. Bastava o olhar na correção de alguma atitude errada. Da mesma forma, o olhar que transmitia paz, amor, carinho e ternura ao filho e filha amados. A preocupação com qualquer ameaça, expressa num olhar de angustia e ansiedade.
Os poetas, como ninguém, sabem utilizar as expressões que um olhar pode transmitir em seus versos. Cito os versos de Roberto Carlos, na linda canção “Nossa Senhora”, que ele começa assim: “Cubra-me com seu manto de amor! Guarda-me na paz desse olhar!”
Há tempos, assisti ao filme “Paixão de Cristo” de Mel Gibson e confesso que fiquei extremamente impressionado com as cenas fortes, principalmente nos momentos do martírio de Jesus. O olhar de Jesus era o que mais marcava a intensidade do sofrimento representado pelo ator, com um poder incrível de penetração no mais fundo de nossa alma, mesmo sabendo que era uma representação. Com um olho já dilacerado e fechado pelas agressões sofridas, o outro olho, atingia em cheio o sentimento de quem assistia.
Alguns dias depois, tive acesso a uma matéria sobre o clima que envolveu os atores desse filme, durante as filmagens. E o ator que representou Barrabás, faz uma declaração impressionante, elogiando muito a capacidade do diretor: “Durante minha vida toda, corri o mundo em busca de descobrir a minha espiritualidade. Mas foi naquela cena, quando fui colocado diante de Jesus para ganhar a liberdade em seu lugar, e o seu olhar cruzou com o meu olhar, que eu senti minha alma transbordar em espiritualidade como nunca me havia acontecido e a partir de então não tive mais qualquer dúvida.”
No mesmo filme, o olhar de Jesus para sua mãe Maria, no momento que cai com a cruz sobre seu corpo e ela corre até ele para socorrê-lo, com a imagem trazida pela consciência à sua retina, de uma queda que ele sofrera quando menino! O próprio Judas traidor, ao ver consumado o martírio de Jesus e ser atingido pelo seu olhar, transforma-se, enlouquece e busca o suicídio. De quanta coisa um olhar é capaz!
É com o olhar que o ódio é capaz de fulminar o outro, como se fosse um lança chamas. Da mesma forma, um comandante ao olhar para um seu comandado que não está na posição correta. Até a falsidade de um político ao tentar atingir a honra de um adversário ou fazer promessas que nunca cumprirá, pode ser sentida no seu olhar.
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Antonio Oswaldo Storel, membro do IHGP, ex-presidente da Câmara Municipal de Piracicaba