Às minhas amigas. Aos meus amigos

Pondero o que vivemos. E há tanto a ponderar. Pondero de onde vem essa culpa por amar (muito) e ao mesmo tempo não amar. É natal, falemos em culpa sim – afinal. Porque por mais que se celebre e que se faça, a imagem do menino que agora nasce – sabemos – irá morrer crucificada daqui a pouco, logo ali na Páscoa.  E a culpa vaga e vem, ora, pois ela é como praga – chega, se instala, infesta e abala. Ai, praga de tanto sofrer, de tanto amar e não amar! Ai, praga! Praga da culpa que nem sei se é de mim assim tão minha – ou herança de minha mãe ou das crônicas – que li (em excesso) quando criança – de Rubem Braga.

(Por isso, não acredito no mito – palavra que prefigura o dono de uma alma burra (isso se for alma!) que urra e zurra. Não. Não acredito no mito porque ele – observe, atente, assista – é sempre o mal que se encarna sob a pele de um fascista. Por isso, fascista, saiba: (por trás de meu silêncio diplomático) vomito sobre o mito que mata – à bala, pela mentira ou no grito. Por isso prefiro, em oposição, o encanto da fábula, a boa ação do apólogo, a honra explícita da lenda. E se é para fingir que acredito, desprezo então a contenda, rejeito a demanda, suspendo a briga e deito ao violão, como uma figa, a canção que emenda e encanta a paz numa parlenda).

Depois, louvo – sobretudo – às minhas amigas e amigos, que são os meus amores e o meu verdadeiro natal. E louvando assim, cada vez mais me lembro o que de seus amigos e amigas disse Vinícius de Moraes – e repito comigo: “eu sofreria (demais) se morressem todos os meus amores, mas eu desabaria e também morreria se eu perdesse todos os meus amigos.” Porque os meus amigos são graça, são semeados no vento. Porque os meus amigos e amigas chegam – alguns – flanando, outros quebrando vidraças, outros trazendo adventos.

De novo, me vem Vinícius – mestre em modelo maior – e me digo, e me relembro que alguns amigos me vêm à mente quando abro um livro. Outros me saltam à memória quando – às vezes doce às vezes triste – balanço mecanicamente o gelo do meu copo de uísque. Outros apenas são – e falam com minhas lembranças se, diante de uma paisagem fantástica, me vejo estupefato e sem ação. Ainda outros estão nas preces que não faço e nas desolações – quando mais deles preciso em minhas mais íntimas reflexões. (Ai, Vinícius que não sou).

Dentre tantos – e empresto de novo a expressão do poetinha – há amigos fiéis que nem sabem que são meus amigos. Com eles, em espírito, durmo e acordo todos os dias – e deles não espero nada mais do que o simples fato de continuarem existindo. Assim e só, e antes de fechar a janela das minhas noites de infinito, peço por eles e elas ao Deus que não acredito (mas que torço para exista). Peço que se construa segura e perfeita a estrada sob seus pés, que se entrelacem exatas e justas – no texto-poema-vital de cada um e cada uma – a ausência do mal, a força do espírito, a sabedoria do existir e a beleza do lenitivo que é (ainda) o de se estar vivo.

Neste ano que se abriu como um alívio – apesar de muitas vezes tão triste, de muitas vezes tão duro – e que se finda ao piscar das luzes na janela daquela casa mais simples e mais singela, confesso que vibro com ela a esperança (feita de uma fé duvidosa) de que um brilho maior me une aos meus amigos. E ao me sentir brilhar feito a estrela do presépio falso, fabular e angelical em que me engano (sempre) que acredito (desde que seja ele o mais repleto de animais o possível), tenho em mim a garantia de que, estejam onde estiverem os meus amigos e amigas, estarão eles e elas, sempre, comigo – reverberando também dentro de mim a sua centelha mais linda (e, aí sim, divina) a me animar sempre. Sempre.

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Aos meus amigos, amigas, amores, leitoras e leitores, um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de paz, saúde, amor.

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Alê Bragion é cronista

 

PS: este colunista entra agora em férias, devendo retornar (se o universo assim conspirar, em 2024). 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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