A fome dos arranha-céus

Camilo Irineu Quartarollo

 

Mário Quintana canta sua Porto Alegre e se ressente de onde estariam seus verdes e azuis, no Poema de Circunstância. Onde estão? Pois sim, o arranha-céu comeu! Aqui também em Piracicaba esse monstro se tornou em comedor de verdes, azuis, nuvens e sonhos de nós caipiras, mas não arregamos!

Quando passo pela antiga Boyes tenho o mesmo pressentimento! Ah, se tivéssemos um Mário Quintana nos conselhos, na prefeitura!

Ainda ouço a voz do nosso rio Piracicaba, quem ficar na margem dele, ao lado de grandes árvores ainda em pé, ouvirá também o golfar generoso das águas, que desagua  nos sonhos dos indígenas que dormiam nas pedras ouvindo de fundo o rumorejar como uma divindade. Mas não. Os homens do progresso dizem que não pode ser. Vamos tratorar tudo na poeira da boiada, que nem pardal vai se ver por lá. E depois faremos enormes arranha-céus, os quais de tão grandes não poderão ser contestados nem na Justiça, e de intimidatórios afugentarão os caipiras, deixaremos algumas palmeiras ornamentais e o resto piso frio e seco, ao calor climático sem o verde que vamos matando. Vêm turras de palavras como revitalização (fazer edifícios), requalificação (gerar lucro) e preservação (maquiagem histórica) – tudo do mesmo conglomerado eufemístico da destruição.

Arranha-céus, acautelem-se deles, com suas “gargantas ressecas”, “para que lhes serviu beber tanta luz?!”, diz o poeta nas aspas. Para mim, o título Poema de Circunstância é também irônico, batendo na coalheira para os burros entenderem – não é um fato circunstancial, os arranha-céus são intrusos, monstros famintos, de investimentos vorazes. A voz poética suspira pela cidade verde, mas se veem os arranha-céus comendo nossos azuis, estrelas, luares e sóis, dia e noite, insaciáveis. Não é um poema de circunstância é a circunstância que quer se libertar num poema, é infraestrutura humana contra a superestrutura econômica.

Não entendem que a natureza precisa de água, de várzea, de espaço, de ar, de sol, de vazio, de cores, de amores e de silêncios! Mesmo rendidos, a vida não é a aparente circunstância, mas o que fazemos ou não da história, enquanto vivos.

Os mastodontes, os brontossauros e os tiranossauros do poema de Quintana não são monstros. São seres da natureza. Não sei não se foi a Era Glacial que acabou com esses grandes lagartos e paquidermes. Pois quais selvagens acabaram com os indígenas e búfalos da América do Norte? Que dizimaram civilizações na América central e do Sul? Quais cavoucaram toda a floresta em busca de ouro, deram cabo de Brumadinho e ainda agora em busca do sal-gema de Maceió e cavaram por debaixo das camas dos pescadores da região?

Exulto ainda quando Quintana diz “Eles passarão… Eu passarinho”. Por uma Piracicaba humanizada, verde e verdadeira, mais alamedas e menos estacionamentos! Mais vida e menos lucros! Mais público e menos gravatas. Salve a Boyes!

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

 

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