Gilberto Nascimento Junior
Conheci um rapaz que, aos 08 anos, foi expulso de casa pela violência de um pai alcoólatra. Passou mais de 20 anos na Cracolândia. Outro, tornou-se dependente químico ao fazer uso das chamadas drogas recreativas. O que parecia inofensivo resultou em quase duas décadas de uma vida roubada pela cocaína e crack, entrando e saindo de casas de recuperação. O melhor seria nunca terem embarcado nessa viagem mortal, pois o caminho de volta, em ambos os casos, foi árduo, escorregadio, com dezenas de recaídas, famílias igualmente adoecidas e perspectivas sombrias.
Esses são apenas dois exemplos entre os milhões de pessoas capturadas pelo vício em todo o mundo. O Relatório Mundial sobre Drogas 2023, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), estima que mais de 13,2 milhões de pessoas fizeram uso de drogas ilícitas injetáveis no mundo, um aumento de 18% em relação ao ano anterior. Globalmente, mais de 296 milhões de pessoas usaram drogas no último levantamento, um aumento de 23% em relação à década anterior. Enquanto isso, o número de pessoas que sofrem de transtornos associados ao uso de drogas subiu para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.
Esse crescimento exponencial explica-se pelas inúmeras mazelas humanas, mas também pela produção de baixo custo, fácil e rápida das drogas sintéticas, como é o caso da metanfetamina — a mais difundida do mundo – e, mais recentemente, o fentanil, um opioide devastador. Em 2021, a maioria das quase 90 mil mortes por overdose relacionadas a opioides na América do Norte envolveu fentanil fabricado ilegalmente.
A população jovem é a mais vulnerável, bem como a mais afetada pelos transtornos associados ao uso de drogas em várias partes do mundo. Na África, por exemplo, 70% das pessoas em tratamento têm menos de 35 anos de idade. No Brasil, não é diferente.
PREVENÇÃO — A prevenção desempenha um papel crucial na mitigação da dependência química. Pesquisas acadêmicas demonstram que a prevenção não só é mais eficaz, como mais econômica. Para cada US$1 investido em prevenção, pode-se economizar até US$10 em custos de tratamentos e cuidados de saúde.
Programas de prevenção podem fornecer apoio psicossocial, educar sobre os riscos associados ao uso de álcool e drogas e encorajar a busca de ajuda antes que a dependência se estabeleça.
Mas nada se compara à influência da família. Estabelecer um ambiente onde os membros da família se sintam à vontade para discutir problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas é fundamental.
Lembro-me das conversas que os meus pais, desde muito cedo, tiveram com meus dois irmãos e comigo sobre o perigo das drogas. “Fiquem longe! Não aceitem! Nem experimentem! ” — eram alertas simples, mas funcionavam. Era uma época em que jamais se cogitava legalizar o uso das drogas. Poucas pesquisas estavam à disposição, mas a destruição de vidas, de famílias, de futuro já estava posta.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) diz em seu site: “Após avaliação criteriosa, tendo em vista os diversos prejuízos destacados, no momento, não apoia o uso da cannabis e de seus derivados com fins medicinais na área de Psiquiatria, nem apoia seu uso para fins recreativos. Não há evidências científicas suficientes que justifiquem o uso de nenhum dos derivados da cannabis no tratamento de doenças mentais. Em contrapartida, diversos estudos associam o uso e abuso de cannabis, bem como de outras substâncias psicoativas, ao desenvolvimento e agravamento de doenças mentais. ”
E continua: “O uso e abuso das substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos e, ainda, piorar os sintomas de doenças mentais já diagnosticadas. Esse é o caso da esquizofrenia – estima-se que o risco para desenvolvimento da doença seja quatro vezes maior e o uso de cannabis piora o prognóstico da doença. O uso de cannabis também está associado à alteração basal de humor, à depressão, ao transtorno bipolar, aos transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e à ideação suicida. ”
Apesar dos esforços de muitos setores contrários, pode ser que um dia a descriminalização do uso das drogas seja uma realidade no país, uma realidade a se lamentar profundamente. Esse é mais um motivo porque devemos falar sobre prevenção.
Pais e cuidadores são influenciadores poderosos na vida de uma criança e não podem duvidar desse poder. Suas palavras, conversas e conselhos valem muito e serão mais eficazes quanto mais cedo começarem. Uma criança precisa ser conduzida por caminhos de vida. Drogas sempre serão caminhos de morte. Não importa o quanto tentem normalizar essa prática.
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Gilberto Nascimento Junior, secretário estadual de Desenvolvimento Social