O vírus chinês, a grande mídia e as “fake news”

De propósito tenho evitado de falar do Covid-19. Já perdi a conta das endemias, epidemias e pandemias pelas quais passei na vida, mas nunca, absolutamente nunca, tinha assistido a uma tal hipnose coletiva, a um quase quebranto que faz com que todo mundo só pense no Covid, só fale dele e só tema a ele como se fosse a única grande besta do Apocalipse. Sobre ele opinam, pontificam e apregoam soluções desde governantes oportunistas de todos os níveis até “filósofos” e “cientistas” de botequim; “especialistas” improvisados o comentam, repassando previsões catastróficas que muitos órgãos da grande mídia divulgam, a par de “opiniões científicas” exaradas pela mais do que suspeita presidência da OMS. Enquanto isso, milhões de trabalhadores informais ou assalariados se veem impedidos de trabalhar e um número incontável de pequenos e médios empresários vão sendo precipitados na inevitável bancarrota. É toda a economia do país que vai à cucuia. Quem ousa divergir, ou pelo menos questionar a razoabilidade desse pânico induzido é censurado. Quem, como o Presidente Bolsonaro, defende um confinamento vertical – em lugar do horizontal que nos está sendo imposto – é mal visto. E se comunica suas impressões e suas ideias aos amigos, valendo-se das redes sociais, é logo tachado como divulgador de fake news e ameaçado até com incriminações e penas não previstas em lei, mas que hoje em dia qualquer ministro do STF, a seu bel prazer, pode estabelecer com uma canetada.

As “true news”, as notícias realmente sérias e responsáveis, somente os grandes jornais, as mega revistas e as hipermegas redes de televisão estariam autorizados a veicular. Notícia que não tivesse essa garantia de procedência e fosse na contramão da onda, desde logo seria suspeita, seria provavelmente fake new.

Pergunto: por que temer tanto as redes sociais, os blogueiros e os youtubers? Que nas redes sociais se praticam abusos à esquerda e à direita é evidente. Mas, muitos órgãos da grande mídia tradicional também não os cometem a todo momento? Também não “fazem a cabeça” do seu público consumidor? Também não censuram o noticiário e as cartas dos leitores, impedindo a divulgação de fatos e opiniões que não lhes convêm?

Pergunto ainda: por que razão uma parcela crescente do público acredita cada vez menos em órgãos tradicionais da grande mídia e prefere depositar sua confiança na “mídia alternativa” das redes sociais?

No século XV, a invenção da imprensa com tipos móveis, por Guttenberg, produziu uma verdadeira revolução cultural, com reflexos não apenas na cultura, propriamente dita, mas também na política, na economia, no campo social, até mesmo no religioso. Na passagem do século XX para o XXI assistimos (e ainda estamos assistindo) a uma transformação ainda mais profunda e radical no campo das comunicações humanas. Já ao longo do século XX essas comunicações se tornaram menos dependentes da palavra escrita, pois surgiram inventos como o rádio e a televisão. Mas, agora, a transformação é muito mais profunda. Passamos da cultura impressa e/ou radio/televisionada para a digital. Recursos tecnológicos cada vez mais avançados estão colocando ao alcance de qualquer pessoa, mesmo desprovida de recursos, a possibilidade de se fazer ouvir por multidões. Se antes somente livros, jornais e revistas divulgavam o pensamento escrito, e depois também rádios e televisões passaram a divulgar (a custos financeiramente acessíveis somente a grupos econômicos poderosos) o pensamento oral e/ou imagético, agora qualquer pessoa, mediante o simples dedilhar de um miniteclado, pode se fazer ouvir no planeta inteiro.

Isso permitiu abalar, em profundidade, a até então indiscutível hegemonia da grande mídia. Jornais e televisões ainda trombeteiam num sentido que é determinado pela ideologia de seus donos, os quais, por sua vez, servem a quem lhes paga, ou seja, a grupos políticos e econômicos poderosos. Mas o simples zé-ninguém também consegue, pelas redes sociais, alcançar um público muito mais amplo e diversificado. Público esse que não encontra voz nem vez na mídia oficial… mas que vota. E vota muitas vezes num sentido conservador, contrário ao que a grande mídia deseja e quer impor.

Diz a grande mídia que as redes sociais veiculam fake news. Mas muitos órgãos dela também não fazem o mesmo? As “fake news” das redes sociais não estarão hoje para as “pseudo news” que certa grande mídia divulga, assim como o antigo samizdat estava para o Pravda e a “literatura” oficial soviética?

O fato é que a grande mídia que ainda se pretende única dona da verdade está cada vez mais desacreditada. Isso será para o bem, ou para o mal? Somente os próximos 20 ou 30 anos nos trarão uma resposta. Por enquanto, sugiro que se veja a mídia alternativa das redes sociais, dos blogueiros e dos youtubers, sem preconceitos. Sempre com olhos críticos e bem abertos, claro, mas sem preconceitos. Preconceitos não são bons conselheiros.

Este meu artigo pode parecer contrário, por princípio ou por oposição ideológica, à mídia tradicional, ameaçada pela crescente influência das redes sociais. Isso não é verdade. Não sou contrário à mídia tradicional, sou contrário à hegemonia dessa mídia, e à injusta discriminação, por motivos ideológicos ou de interesse econômico, da mídia alternativa das redes sociais. Reafirmo: muitos órgãos da grande mídia também difundem inverdades e, sobretudo, silenciam grandes faixas da realidade social. São, na verdade, divulgadores de fake news e censuradores de true news.

Falo com conhecimento de causa e sou, ademais, insuspeito, porque tenho 45 anos de experiência jornalística. Na mídia escrita, passei por todas as funções, desde jovem pesquisador de noticiário até diretor de jornal; fui durante muitos anos, correspondente de imprensa estrangeira, atuando no Brasil e em Portugal, e até hoje, já aposentado, ainda continuo a escrever duas colunas semanais na imprensa diária. Nas redes sociais não atuo, embora meus artigos também sejam divulgados em blogs brasileiros e portugueses.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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