Projeto de lei complementar 8/2023, com a proposta do Executivo, foi tema de audiência pública
A proposta do Executivo para atualizar o Estatuto da Guarda Civil Municipal, colocando-o em conformidade com o que exige a lei federal 13.022/2014 —que instituiu normas gerais para as GCMs segundo a Constituição— foi recebida com críticas por agentes da corporação e parte dos vereadores que participaram da audiência pública promovida pela Comissão de Legislação, Justiça e Redação na tarde desta terça-feira (10).
Em oposição ao projeto de lei complementar 8/2023, que foi encaminhado pelo governo Luciano Almeida (PP) e está em tramitação na Câmara, os pedidos são para que a nova versão do Estatuto leve em consideração o documento elaborado ao longo de meses pelo GT (grupo de trabalho) composto por guardas escolhidos por seus próprios pares.
As diferenças entre o previsto no projeto do Executivo —que contratou a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) para lhe prestar consultoria técnica— e a proposta redigida pelo GT foram sublinhadas por agentes da GCM durante a audiência pública. Eles apontaram como principais itens controversos a extinção do RET (regime especial de trabalho), a caracterização da GCM como instituição “equipada”, e não “armada”, e a criação da terceira classe na hierarquia da corporação, com salário de entrada na carreira menor que o pago em cidades da região.
O presidente da CLJR, Acácio Godoy (PP), disse que a comissão se atenta ao que “foge da legalidade e do constitucional ou que é lesivo ao Direito” e que a audiência pública desta terça-feira simbolizou a abertura das discussões, e não o encerramento delas, diante do temor manifestado pelos agentes de que a proposta enviada pelo Executivo seja aprovada em sua íntegra, sem levar em conta os apontamentos que vêm sendo feitos desde o GT. “Esse documento [o novo Estatuto] foi desejado pela corporação, por seus membros e por vários vereadores nos últimos dois anos, de maneira insistente. Pela amplitude do tema e do número de vidas que deve impactar, decidimos fazer, por meio de audiência pública, uma consulta, dando voz aos representantes da categoria, para que discutamos de maneira aberta, clara e democrática”, afirmou Acácio Godoy.
“Estudamos muito e temos em mãos o Estatuto antigo, o feito pela Fipe e também a proposta do GT. O objetivo é ouvir a categoria dos profissionais de segurança do município, que são os que, de fato, serão afetados pelo Estatuto. Meu posicionamento é o de abertura ao diálogo e, nesta tarde, nosso desejo é ouvir vocês, guardas”, acrescentou o vereador Thiago Ribeiro (Podemos), relator da CLJR, que tem como membro Paulo Camolesi (PDT), também presente na audiência pública.
Gisson Amorim Costa, presidente do SindGuarda, defendeu que o novo Estatuto caracterize a GCM como instituição “armada”, não “equipada”, já que a definição é determinante para a corporação receber recursos de convênios federais. Ele reforçou o posicionamento citando o entendimento do Supremo Federal Tribunal, na ADPF 995, de que as Guardas Civis Municipais são integrantes dos órgãos de segurança pública, além de listar números da atuação da GCM em Piracicaba em 15 mil ocorrências, 1.200 rondas de proteção às mulheres e vigilância de 40 mil alunos da rede municipal de ensino no período de um ano.
Gisson questionou a criação de uma terceira classe (“Se já não pagam bem na segunda”), a proposta de progressão horizontal a cada quatro anos e a extinção do RET, que hoje paga um adicional de 40% sobre o salário-base para os agentes com jornada 12h/36h, o que possibilita que sejam escalados fora do horário comercial —os apontamentos foram depois respondidos pela economista Flávia Motta, da Fipe. O presidente do SindGuarda também contestou o entendimento da Fipe de que a Ouvidoria da corporação seja ocupada por pessoa que não pertença ao quadro da Guarda, o que, segundo Gisson, contraria Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema.
Comandante da GCM, Sidney Nunes reforçou ter participado das audiências públicas anteriores promovidas pela Câmara sobre o tema e explicou que preferiu dividir com os agentes a discussão sobre o novo Estatuto, por meio da formação do GT. “Assim que assumi, o prefeito determinou um planejamento estratégico e foi exatamente isso que fiz. Sabendo que o assunto é complexo, embora eu tenha autonomia de gestão, jamais assumi [essa decisão] integralmente para mim: fiz eleição interna e, dentre os cinco segmentos hierárquicos, foram eleitos dez guardas, que fizeram esse Estatuto, o entregaram a mim e eu entreguei ao prefeito, que achou por bem contratar a Fipe, o que é um direito dele. Jamais falei que acho razoável o Estatuto proposto pela Fipe.”
A economista Flávia Motta, consultora da Fipe, respondeu aos questionamentos dos vereadores e agentes da GCM ao final da audiência pública. “Podem ter certeza de que fizemos com muita seriedade esse trabalho. Registramos nosso profundo respeito a todos vocês [guardas]: não precisamos morar no município nem nos estender em falar elogiosas para dizer o quanto sentimos por pessoas que destinam suas vidas a qualquer atividade de segurança pública”, disse, observando que o diagnóstico da Fipe foi feito sobre uma lei em vigor desde 1990. “O rito de trabalho não é feito por quem é contratado. Pode haver falhas? Pode. Erros crassos de português? Com certeza não.”
Flávia esclareceu que a progressão horizontal proposta no projeto de lei complementar 8/2023 será por mérito e coexistirá com a progressão automática a cada dois anos prevista no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município a todos os servidores. “A progressão proposta pela Fipe, de quatro em quatro anos com critério meritório, não vai retirar de vocês os 2% a cada dois anos, porque a Lei Orgânica do Município, no artigo 60, confere a todo servidor público, indistintamente, 2% de adicional de tempo de serviço e, ao final de 20 anos, contínuos ou não, a sexta parte. Se a Lei Orgânica do Município estabelece esses 2% a cada dois anos e o quinquênio como adicional de tempo de serviço, qualquer servidor da Prefeitura tem esses 2%, independentemente de haver plano de carreira ou não. Vocês terão, além desses 2%, que continuam automáticos por tempo de serviço, a oportunidade de ter o percentual de 2% pelo critério meritório, pois qualquer plano de carreira tem como regra básica o mérito; se não é para ser meritório, não precisaria ter plano de carreira. Então não se trata de retirar os 2%, mas de conceder a oportunidade dos outros 2% a cada quatro anos como plano de carreira.”
Sobre a criação da terceira classe, Flávia ressaltou que ela valerá apenas para novos agentes que vierem a ingressar por concurso público. A medida, explicou, é necessária para repor a base da corporação, hoje formada por agentes que, com o novo Estatuto, tendem a ascender na hierarquia. “Hoje, pela tabela atual, são R$ 2.560 para a segunda classe; esse valor [com o novo Estatuto] vai para, em valores iniciais, R$ 3.961. A terceira, para quem está começando e precisará prestar concurso, será de R$ 2.641. De R$ 2.560 para R$ 2.641 há pouca diferença, no início de carreira há. E por que se entendeu que [a criação da terceira classe] é uma boa medida? Porque percebemos que há um represamento [de agentes que ascenderão]. Com certeza precisamos, nessa ascensão, de que haja um efetivo que dê conta de substituir os que serão elevados. Na Guarda, quando ascendem, os agentes mudam a patente e assumem responsabilidades maiores, e a base precisa continuar existindo.”
A economista também explicou sobre a opção de não manter o RET na proposta formulada pelo Executivo, sob o argumento de que é preferível elevar o salário-base a correr o risco de ter o benefício em algum momento questionado, e derrubado, pela Justiça, já que atualmente há jurisprudências favorável e contrária ao tema. “Nosso apelo é sempre técnico, nem teríamos condições de fazer diferente. Pensou-se num plano de carreira que possibilitasse a inserção, no salário, de tudo aquilo que demonstrasse valorização, já que hoje existem o RET e a FT [folga trabalhada]. Nenhum demérito a quem defende o RET e a folga trabalhada. A questão é de que nos foram faladas duas premissas importantes [que o Estatuto deveria levar em conta]: é preciso que se ganhe em escala para fazer as ascensões, pois existe represamento, e é preciso que se faça algo que dê segurança jurídica para tal. Neste caso, se o RET tem jurisprudências favorável e contrária, se o tema é polêmico, é melhor optarmos pela segurança [e não manter o RET]. Não há perdas: ninguém, ninguém perde um centavo; isso nós demonstramos através do estudo de impacto financeiro. Enquadramos guarda por guarda: não perdem e podem começar a ganhar.”
Flávia abordou, ainda, o risco de o RET ser adicionado ao valor da aposentadoria do guarda e questionado judicialmente. “Há controvérsia nos municípios; mais dia, menos dia, o Tribunal de Contas aponta e pergunta por que estão recolhendo contribuição previdenciária sobre verba à parte, [por isso] a segurança é aumentar o salário-base: o valor do salário lançado no holerite é irredutível. As verbas [indenizatórias] caem [por possíveis decisões judiciais], o salário não. Verbas são constitucionais ou não, de acordo com o humor do Judiciário.”