Armando Alexandre dos Santos
Em recente artigo, falamos da importância dos princípios básicos de identidade, de não contradição e de causalidade no pensamento de Aristóteles, que tanto influenciou a nossa cultura. De fato, a Filosofia grega – da qual Aristóteles é coluna fundamental – as instituições jurídicas e administrativas de Roma e as tradições hebraicas presentes nas origens do Cristianismo são as matrizes da nossa Civilização Ocidental e Cristã.
Falamos também das dificuldades que Aristóteles teria tido para entender o sistema de pensamento bramânico, construído a partir da negação rotunda do que o pensamento ocidental tinha como mais básico.
É verdade que, em seus entreveros dialéticos com as ideias de outros pensadores gregos, Aristóteles já havia enfrentado adversários que ensinavam pontualmente algumas ideias contrárias aos princípios básicos da sua filosofia, por exemplo, o jônico Heráclito (+ 475 a.C.), segundo o qual a realidade não é algo objetivo, mas é uma ilusão, porque tudo está em contínuo movimento e nada é estável, e, quando apreendemos algo, esse algo já mudou e não é mais o mesmo; ou o eleático Parmênides (540 a.C.), que também desconfia do conhecimento sensitivo, que nos induz a ilusões, e procura a verdade num conhecimento meramente intelectivo e desligado dos sentidos; ou o também eleático Zenão (490 a.C.), para o qual, bem ao contrário de Parmênides, tudo está sempre parado, sendo o movimento uma mera ilusão. Isso sem falar em seu próprio mestre, Platão (429-347 a.C.), para o qual as ideias universais são reais e existem verdadeiramente na natureza. Aristóteles, nesse ponto (como também em vários outros) discordou de seu mestre, e afirmou que somente os indivíduos têm realidade, enquanto as ideias universais não passam de concepções do espírito humano, como resultado de um processo mental de abstração.
Mas nenhum filósofo ou sofista do mundo grego havia chegado ao ponto de negar explícita e sistematicamente todo o conjunto da filosofia de Aristóteles. Na Índia, porém, não apenas ela era negada pontualmente, mas ela era negada em bloco, rejeitada em tudo, até nos seus fundamentos mais básicos, até mesmo no que era “o princípio mais certo de todos”, “aquele sobre o qual não há engano possível”!
Aristóteles era muito positivo, muito realista. Sua formação primeira era a da medicina, profissão à qual se dedicava sua família, que se entroncava nos Asclepíades, que pretendiam descender de Asclépio ou Esculápio, o deus da medicina. Tudo, no pensamento aristotélico, é objetivo, deduzido com muito rigor da observação da realidade da natureza. Aristóteles não desconfia dos sentidos, como Heráclito, Parmênides ou Zerão, mas, a partir do que eles mostram como evidente, deduz com rigor lógico toda a sua filosofia. Nesse sentido, é um filósofo de muito “bom senso”.
Na síntese feliz do Prof. Theobaldo Miranda Santos, “a filosofia de Aristóteles se caracterizava, antes de tudo, pelo seu realismo, pela sua observação fiel da natureza, pela sua objetividade científica, pelo seu rigor metodológico e pela unidade harmônica do seu sistema, que constitui uma síntese orgânica e maravilhosa” (Manual de Filosofia. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957, p. 392).
O pensamento de Aristóteles é profundamente lógico e coerente. Subjetivamente, procurava com sinceridade a verdade, fosse ela qual fosse. Nisso, diferenciava-se muito dos sofistas pré-socráticos, que manipulavam habilmente a palavra e as ideias para atenderem ao que lhes interessava demonstrar, sempre com um fundo de ceticismo e de relativismo. Não era a verdade o que buscavam, mas a verossimilhança; seu objetivo era somente aparentar veracidade. Numa sociedade venal e corrompida pelas riquezas, como era a da Grécia do seu tempo, encontraram terreno favorável e tiveram numerosos discípulos… que pagavam bem suas aulas!
O Pe. Leonel Franca é muito severo em relação a eles: “Chamam-se sofistas os mestres populares de filosofia, homens venais e sem convicções, ávidos de riquezas e de glória, que nesta época de crise para o pensamento grego exploram em benefício da própria vaidade e cupidez, o estado dos espíritos criado pelas especulações filosóficas e condições sociais do tempo. Mais retóricos que filósofos, argutos, artificiosos e eruditos, ensinavam à juventude ateniense atraída pelos encantos da sua eloquência, a arte de defender o pró e o contra de todas as questões e o segredo de tirar partido de qualquer situação, galgando as mais elevadas posições numa democracia volúvel e irrequieta. Serviam-se das armas da razão para destruir a própria razão e, sobre as ruínas da verdade erigir o interesse em norma suprema de ação.” (Noções de Historia da Philosophia. Rio de Janeiro: Livraria Drummond, 1921, p. 24 – atualizei a ortografia).
Na sua argumentação, os sofistas exploravam habilmente elementos acessórios e acidentais, esquecendo o essencial. Procediam exatamente como, em modernos tribunais de júri, os promotores e advogados da defesa que discorrem mais longamente sobre as circunstâncias secundárias da acusação do que sobre o fato em si, com o objetivo de impressionar o corpo de jurados. É nesse sentido que se entende o texto de Aristóteles, frequentemente citado ainda em nossos dias: “Julgamos conhecer cientificamente cada coisa, de modo absoluto e não à maneira sofística, por acidente, quando julgamos conhecer a causa pela qual a coisa é, que ela é a sua causa e que não pode ser de outra maneira”.
Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia
Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Frase a destacar: Na sua argumentação, os sofistas exploravam habilmente elementos acessórios e acidentais, esquecendo o essencial.