Manias

Sergio Oliveira Moraes

 

Lembrei da música “Manias”, de Dolores Duran cantando-a. Não sei se seria tão compreensível para quem a ouvisse pela primeira vez: “Mania de não deitar/Sem antes ler o jornal” ou “pior”: “De guardar fósforo usado/Dentro da caixa outra vez”.

Há manias que não consigo entender, uma é a de “andar na contramão”. Por estas bandas nos dedicamos com afinco a não dar chance à concorrência. Não, não é sarcasmo. Se parece sarcasmo, este é só um respingo na tristeza, indignação.

Tristeza e indignação por mais uma perda para nossa cidade, a da Praça “Antônio de Pádua Dutra” – mais de 20 árvores cortadas para dar lugar a um estacionamento para carros e motos. Alertas existiram, veja-se, por exemplo, neste matutino a matéria (16/9): “Piracicaba inverte a prioridade, mais uma vez”.

O “inverter a prioridade”, o andar na contramão, na contramão do lazer, da humanização que as praças, o verde, a fauna trazem. Do ar respirável, do amenizar o “calor” dos concretos e asfaltos. Da maneira adequada para abordar o problema dos moradores de rua, da insegurança, optando pela arquitetura hostil, como nomeiam os articulistas. Ai também de ti “Praça da Catedral”, ai de nós. “Roupa nova” (de gosto discutível) por si só não resolve problemas.

Mas há mais, somos incansáveis. Na matéria do G1 Piracicaba e Região do dia 1/10, a vergonha alheia: “Na contramão da região, Piracicaba tem voto impresso em eleição de Conselho Tutelar; entenda”. Deixei o “entenda”, muito sugestivo.

Sim, a região andando “na mão” com as urnas eletrônicas, nós na contramão com a urna de lona! Outra dificuldade que tenho: segundo o mesmo G1 (16/7/2022), Piracicaba tinha para as eleições daquele ano 307 053 eleitores. Com base nesse número e em que pesem as diferenças marcantes entre eleições para Legislativo, Executivo e Conselho Tutelar, também nas abstenções, há justificativa para realizar todo o processo de votação em um único local? Eleger um único local não é uma maneira de dificultar o acesso, incentivando a abstenção?

A importância dos Conselhos foi realçada com a pandemia, com a vida entre quatro paredes. Essa importância foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação, bem como a da escolha de conselheiros e conselheiras que não colocassem suas convicções pessoais à frente do Estatuto da Criança e do Adolescente. Importante demais para que tornemos difícil o acesso ao local de votação. Sem contar o longo tempo de espera, o cansaço.

Não sei se por ser a votação em um único local ou se também por essa razão, o número de votantes foi muito baixo. Tudo bem que foi um recorde, mas, pelos números de 2022, Limeira teria 230 262 pessoas aptas a votar (quase 77 000 a menos que Piracicaba) e teve 12 600 eleitores, para 4179 em Piracicaba. Lá, a votação foi distribuída em sete locais e o eleitor votou na escola determinada para sua zona e seção eleitoral (G1, 1/10). Definitivamente nossos vizinhos não comungamda nossa mania de andar na contramão. Definitivamente.

Depois dessas, bora escutar Maria, Maria: “É preciso ter sonho sempre/Quem traz na pele essa marca/Possui a estranha mania de ter fé na vida”. Estranha, mas é uma boa mania.

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Sergio Oliveira Moraes, físico e professor aposentado Esalq/USP

 

 

 

 

 

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