Educação a Distância e o Agravamento das Desigualdades

Adelino Francisco de Oliveira

 

Com a necessidade do isolamento social o debate sobre o ensino remoto entrou na ordem do dia. Há grupos intensamente entusiastas da proposta, defendendo este sistema como uma panaceia, a grande tábua de salvação da educação. Por outro lado, há educadores profundamente contrários a tal perspectiva. O fato é que estamos enfrentando uma situação excepcional, que tem exigido novas respostas societárias, inclusive no campo da educação.

No Brasil, a pandemia de Covid-19 tem exposto as entranhas podres do ultraliberalismo, com seu projeto de aniquilação dos mais pobres. As profundas desigualdades sociais, que se perpetuam na história do país, agora têm se tornado mais explicitas e alcançado um nível insuportável. Em plena crise sanitária, o governo insiste em implementar reformas em favor do mercado e totalmente contra o povo.

No campo da educação não é diferente. Há um perverso projeto em curso que visa destruir a educação pública. O Programa Future-se, que reduz a educação à condição de mera mercadoria, já explicitava o anseio por entregar até mesmo os prédios das instituições públicas de ensino nas mãos da iniciativa privada. Em um momento grave, que se exige o máximo de lucidez, planejamento e solidariedade, a política educacional do governo avança em seu projeto de destruição da educação pública no país.

A perspectiva de que a educação não tem a função de reparar injustiças sociais define bem a visão míope de um governo em descompasso com um projeto de país comprometido com os princípios de justiça, direito e solidariedade. Por isso, mesmo em plena pandemia, não há nenhuma iniciativa realista por parte do ministério da educação para se equacionar as distorções sociais agravadas pela crise sanitária.

A insistência na manutenção do calendário do Enem é uma demonstração inequívoca da profunda insensibilidade social de um governo que faz questão de ignorar a difícil realidade da população. A proposta da educação a distância ou mesmo do ensino remoto, sem ao menos se garantir, por meio de políticas públicas, as condições básicas para sua implementação, representa o descaso por parte do governo em relação a este grave problema social e o total abandono que se encontram os estudantes.

Em diversas localidades e realidades do país, o aparelho público da escola conforma-se como o único vínculo que o jovem, em situação de maior vulnerabilidade, tem com o Estado. A estrutura escolar, mesmo sucateada e precarizada, é a forma concreta da mínima presença do Estado. A necessidade de isolamento social privou o estudante de acessar a estrutura física da escola, de maneira a fazer uso da plenitude de seus recursos. A educação é um direito fundamental e a escola consiste em um espaço no qual este direito se torna minimamente efetivo.

Há uma série de questões, agravadas agora pela realidade da pandemia, que devem ser consideradas em qualquer projeto de ensino a distância. O drama da falta de moradia digna, o grave problema habitacional do país, desponta como o primeiro entrave para o ensino remoto. Não basta garantir o acesso à rede da Internet e um aparelho tecnológico, se não há uma estrutura básica de moradia, que possibilite o estudo. Basta um rápido olhar para a realidade de milhares e milhares de famílias que vivem nas comunidades Brasil adentro para compreender as fragilidades dos projetos de ensino à distância.

Se a educação pública despontava como o caminho para se dirimir, de alguma maneira, as distorções sociais, a educação remota destrói totalmente esta já tão frágil possibilidade. Aliás, o ensino à distância, projeto acalentado há muito por governos neoliberais, agrava, intensifica e aprofunda todas as desigualdades. É fundamental que as instituições públicas de ensino, com seus quadros de professores e pesquisadores, sempre comprometidos com a educação como meio de transformação social, apontem saídas éticas, criativas, originais e profundamente includentes, sem deixar nenhum de seus alunos para trás. Este é o desafio, que o governo já demonstrou não ter interesse e nem a mínima preocupação em resolver.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

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