Houve excesso, sim, senhor governador

Jose Maria Teixeira

Em pronunciamento, o governador Tarcísio de  Freitas, de São Paulo, dando satisfação ao povo cumprindo o seu dever, disse que não houve excesso no fato ocorrido no Guarujá, SP, onde sua polícia, pode se dizer, abateu oito pessoas. Houve excesso, sim, Senhor Governador. Mesmo porque a vida humana tem valor absoluto. Isto é, ela vale por si mesma, uma vez que existe deve ser preservada e garantida como reza a Constituição Cidadã de 1988, em vigor, ainda que se trate de uma única vida humana.

Portanto, Senhor Governador, houve excesso sim. Trata-se de vida humana e vida não se destrói; se protege. Isso constitui dever precípuo de um comandante de Estado que se intitula Estado Democrático de Direito. Ainda bem que não se alegou, no presente caso, o já famoso e inaceitável álibi de que houve confronto. Mesmo porque, senhor Governador, nessas circunstancias, deliberadamente, a comunidade como um todo torna-se escudo dos que atacam como dos que se defendem, ocasionando mortes todas indevidas, principalmente, se de crianças e adolescentes forem como de fato ocorrem.

Dia aziago aquele dia. Nem bem findava a tarde com noticia desastrosa para um governo que se diz democrata: a mídia noticiava um número maior de vítimas, não mais oito e sim dez. Pior, horas depois, sobre o mesmo fato, já não eram mais nem oito nem dez e sim catorze e, finalmente, dezesseis as vítimas da investida policial. Pior, ainda não acabou. O jornal a Folha de São Paulo noticia uma das formas da operação. Um horror que sensibiliza a alma mais insensível do universo: “Uma das vítimas obrigada a entregar de seus braços o neném para, então, dominado ante à mira de um fuzil, receber as balas mortais do servidor público, soldado, agente do Estado, cujo dever seria, de dominado e preso o suposto criminoso, protegê-lo, apresentando-o à Justiça.

Pelo que se sabe, este país é um Estado Democrático de Direito que se chama Brasil. Portanto, a ninguém cabe suprimir vidas humanas muito menos à instituição de segurança pública. Infelizmente, esta é uma linha de pensar e agir que vem ganhando espaço em instituições de segurança pública de vários estados, revelando fraqueza e descontrole de governos que se dizem ser democratas.

Então, senhor Governador, ainda que assessorado por uma equipe de profissionais da segurança a afirmação de que não houve excesso no respectivo episódio do Guarujá, cidade do Estado de São Paulo onde ocorreram mortes não só não satisfaz como constitui verdadeira afronta a cidadãos conscientes da dignidade humana. Mesmo porque, senhor Governador, as ações ali praticadas não se ajustam aos princípios que regem a administração pública. Para tanto, leia-se o artigo 37 da Constituição:

Art. 37.” A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade …” E isso não foi sequer de longe obedecido principalmente no que diz respeito à legalidade e publicidade.

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Pois bem. Cessada a intervenção policial noticiados os resultados seguem-se críticas por parte de autoridades públicas e entidades ligadas a defesa dos direitos humanos. Quando não, protestos de rua pelos familiares e amigos das vítimas clamando por justiça. Essas ocorrências policiais, já corriqueiras no Rio de Janeiro e em alguns outros estados do Norte e Nordeste, e que começam florescer em São Paulo, pode-se dizer, seguem um protocolo comum.

Motivo: impedir o comércio proibido da “maldita droga”, que não é a malvada pinga. Espaço da atuação, as periferias. É ali que corre o comércio proibido e consumo livre da maldita que destrói e mata. Isso ocorre também nos grandes centros de maneira sofisticada com os mesmos efeitos. La, porém, a polícia, quando atua, o faz de forma não cinematográfica.

Dentre as condolências anuncia-se com muito alarde a investigação dos fatos ocorridos. Esta porem sofre um desvio de finalidade. Aqui ela é mais um meio para acalmar os ânimos do que para estabelecer a Justiça. E lá se vão cinco, dez anos ou mais sem dar satisfação a ninguém. Mesmo porque inicia-se no tempo mais não se conclui. Não é incomum, crianças na ocasião hoje avos clamando por justiça pelos entes queridos de então.  Investigação pois não é para demonstrar a lisura das ações da policia justificando as mesmas ante a possível resistência dos envolvidos.

Então, senhor Governador, é preciso ter sempre presente a natureza jurídica do pais em que se está e em que se vive. No caso, no Brasil.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou-se a prever de forma expressa que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, ou seja, um Estado politicamente organizado que deve obedecer as suas próprias leis e, como tal, dispõe de meios próprios de solução dos conflitos. pautados pela justiça.  Assim sendo, a investigação não é peça aleatória, isto é, se faz se  quiser e como quiser. Ao contrario, ela constitui peça fundamental para apuração dos crimes e a garantia do devido processo legal, assegurando os direitos dos envolvidos e a busca pela justiça.

No entanto, senhor Governador, o que dizer da investigação sobre o acontecido na baixada santista?  Segundo informa A Folha de S. Paulo, edição de08/08/2023, “… a Polícia Militar só entregou a gravação de 07 das 16 mortes. O aparato (câmera) que cada policial deveria portar registrando a sua ação falhou em três casos e não foi usado em 06. Entre os possíveis motivos da falha cita-se até falta de baterias”. Talvez nas sete apresentadas, as vítimas podem ter tido direito à vela e ate assistência religiosa.  Aqui, faltou transparência, publicidade, o que é próprio de regime nazi-fascista, isto é autoritário, o que não é o caso.

Neste episódio, o que se desprezou foi a vida e não há como contestar porque aqui ela, a vida, constitui a régua do excesso. E a vida, senhor Governador, tem valor absoluto por si mesma. Ainda que se trate de uma única vida como a do servidor público, soldado lá assassinado em dias passados. Houve excesso, sim, e não há como contestar.

Basta o artigo 5º da Constituição Cidadã 1988, em vigor: Art. 5º – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Do mesmo artigo Inciso XXXV – Princípio constitucional do acesso à justiça: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.  Isso posto, a afirmação de que não houve excesso no referido episodio do Guarujá, como descrito pela mídia, torna-se fatídica e temerosa. Pois, assim, se reconhece à instituição policial o poder de tirar vidas sem a mínima responsabilidade  perante o próprio Estado. E Isso é inadmissível, anticonstitucional, uma vez que cabe ao Estado assegurar e garantir o direito à vida, como citado acima.

Então, senhor Governador, de tudo dito acredita que se reconhece que houve excesso. Nem por isso porem se vai deixar aquelas populações entregues à própria sorte. Crendo nas suas próprias disposições de dar continuidade as intervenções para estabelecer a paz e direito à vida. Agora, no entanto com novas técnicas e diretrizes articuladas com outras forças e porque não com participação da própria comunidade.? A esperança é grande mesmo porque há um compromisso assumido sob juramento de cumprir a Constituição. Além do mais, a droga não é nenhum alecrim dourado que nasce no campo sem ser semeado…

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Jose Maria Teixeira, professor

 

 

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