Adelino Francisco de Oliveira
Às vezes é bem difícil explicar o racismo. Difícil também compreender um comportamento em relação ao outro que coloca a cor da pele como critério a priori de qualquer julgamento. O que faz as pessoas se tornarem racistas? Por que em pleno século XXI o racismo ainda persiste como um elemento de cultura capaz de definir as relações sociais? Por que o racista se entende como uma pessoa superior ao outro que tem um tom de pele diferente do que a dele? Que absurdo é mesmo o racismo?
O racismo se manifesta no cotidiano, na intersubjetividade das relações humanas. Muitas vezes as atitudes racistas se tornam tão banais que nem se quer são percebidas, passando a ser naturalizadas. Aliás essa naturalização é uma das estratégias sub-reptícias da ideologia racista, que pode ser violenta e impactante, mas também pode se revelar de maneira muito sutil, quase imperceptível para a pessoa menos atenta. O racismo busca anular, apagar e invisibilizar a população negra, como se a pessoa negra fosse insignificante, com uma existência nula.
Para além das relações pessoais, como uma postura exclusivamente decorrente de um comportamento moral individual, o racismo é também institucionalizado, fazendo-se presente nas estruturas das organizações e instituições. O caráter institucional acaba por revelar que o racismo contempla uma dimensão estruturante da sociedade. Entender o racismo em seu aspecto estruturante é perceber os movimentos e desdobramentos da própria história colonial, que teve na exploração da mão-de-obra escrava todo o seu suporte econômico. A população negra, sob a perversidade da escravidão, representou a força de trabalho para a produção de toda riqueza material no período colonial. O lugar social do negro na estrutura colonial era o do escravizado, produzindo toda abundância de bens para o colonizador branco.
Importante agora compreender como as estruturas racistas se renovaram e se perpetuaram no tempo histórico, mesmo em sociedades republicanas e democráticas. Por quais mecanismos o racismo se impôs, relegando à população negra um lugar social de subalternidade? Como a mentalidade racista, portanto escravocrata, perpassou as fronteiras históricas, impondo uma ferida aberta nas relações sociais, mesmo nas sociedades compreendidas como modernas ou pós-modernas?
Seja nas relações interpessoais ou mesmo em sua forma institucional e estrutural, o racismo tem como fundamento a negação da humanidade do outro, do negro. O ponto de partida do racismo, que é também seu grande erro de princípio, é que a humanidade se encontraria dividida em uma diversidade de raças, sendo a parcela branca pertencente à raça superior e a população negra seria marcadamente inferior. Compreendido como pertencente a uma raça inferior, ao negro é negado tudo: sua humanidade plena, sua cultura, sua religiosidade, seu lugar no mundo.
A verdade é que existe tão somente uma única e mesma espécie humana, da qual todas as pessoas se encontram vinculadas. Em outras palavras, somos todos seres humanos, portanto, não há justificativa para uma classificação das pessoas a partir de um critério, equivocado e falso, de raça. Contrariando toda racionalidade, o fato é que o racismo persiste e insiste em se manifestar, dando o tom das relações no contemporâneo. A superação do racismo passa, necessariamente, pela concepção de uma outra forma de vida em sociedade, em perspectiva decolonial, alicerçada na ética da igualdade, da equidade e da justiça e, ao mesmo tempo, livre de todos os mecanismos que produzem opressão e exploração. Já é tempo de se forjar outra história, essencialmente antirracista!
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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; e-mail: [email protected]