Há falta de cidadãos no Governo Lula?

Cayo Cassiano

 

O Presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) no dia 4 de julho de 2023, em discurso na retomada dos investimentos em universidades, dirigiu-se aos jovens e, em tom levemente acalorado, suplicou “pelo amor de Deus” que estes não fossem induzidos a não gostar de política devido ao caráter imoral de alguns dos representantes. Mas que buscassem o “político bom” dentro de si, incentivando-os a entrar na política

A sua crítica implícita à aparente apatia política do povo e o seu clamor por maior participação democrática deste, traz à tona um debate já existente na história política desde a proclamação de 15 de novembro, quando Aristides Lobo, propagandista da República, afirmou que o povo assistiu bestializado aos eventos de 1889. Questiona-se, desde então, se o povo brasileiro é povo de fato. A população realmente é cidadã?

É nítido, na História, uma narrativa de desmoralização de qualquer tipo de participação popular nos processos políticos. O não reconhecimento dos indígenas, dos negros, das mulheres, dos periféricos – dentre outras “minorias” sociais –, ajuda a reforçar o discurso de um país sem povo, ou da bestialização deste.

Contudo, fica claro na fala de Lula, que este não se refere à movimentos políticos mais radicais, mas sim à inserção na esfera de decisão política através da candidatura eleitoral. Sabemos, através da crítica marxista, que o sistema democrático liberal é um placebo que dá uma falsa impressão de participação na política, já que toda a estrutura de Estado burguês tem o favorecimento das classes dominantes como garantida. Os recentes escândalos de não-repasse dos fundos eleitorais à candidatos(as) negros(as) como prevê a lei, são exemplos nítidos do cerceamento da participação política da população e da intencionalidade de manter o povo alguns passos atrás da linha de partida da corrida eleitoral.

O incentivo às candidaturas de jovens, sobretudo dos setores da sociedade diariamente subjugados, é vital para a transformação do Estado em um instrumento com menor carga opressora. Todavia, além de um discurso, são necessárias políticas públicas que deem chances concretas de disputa para uma cadeira no Legislativo. E um dos meios que o método socialista já apresentou são os movimentos coletivos de base.

Fato é que, nos dias de hoje, onde os meios digitais dominam nas relações sociais, o modelo “jacobino” e “bolchevique” de arregimentação das massas através de comícios, passeatas e barricadas, já não são os meios de disseminação de ideais políticos. A estrondosa influência das mídias digitais (inclusive das Fake News) nas eleições das maiores democracias do continente Americano mostraram que os novos palanques, jornais e panfletos estão no ciberespaço. Campanhas eleitorais, petições, manifestações de indignação e até o julgamento moral (o “cancelamento”) são feitas sob conforto e proteção do ambiente privado. O próprio presidente demorou, na campanha em 2022, a aderir às plataformas de vídeos curtos e mensagens, dando a vantagem ao, então, atual governo.

O intuito deste artigo não se refere somente a uma crítica vazia a um fragmento da fala de Lula tirada de um contexto maior. Procuramos aqui utilizá-la para uma autorreflexão das estratégias tomadas diante de uma nova era da comunicação. É necessário reconhecer que os partidos da esquerda brasileira estão, se não falhando, pecando na mobilização das bases para engajá-las à luta popular. Salvo raras exceções, o que se vê é a apatia das lideranças partidárias de esquerda em sair da romantização do período da clandestinidade e aderir ao novo método político, como já fez os partidos da ala neoliberal.

É preciso mais do que idealismo para alcançarmos uma democracia participativa. A luta pela utopia nasce na metafísica, mas é travada na realidade material.

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Cayo Cassiano, professor de História e Filosofia no ensino regular e aluno de pós-graduação em Educação em Direitos Humanos (IFSP)

 

 

 

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