Educação (ou falta de Educação): um problema permanente

Armando Alexandre dos Santos

Sobre o tema enunciado no título deste artigo, vou formular com franqueza meu pensamento, ainda que ele possa chocar os modismos ideológicos da pedagogia “politicamente correta” que atualmente é imposta nos cursos de licenciatura como sendo a única alternativa viável para a escola moderna.

Ainda penso que a peça decisiva e o principal responsável pelo processo educativo é o docente, se bem ele seja apenas parte de um processo mais amplo, no qual atuam outros fatores que, em maior ou menor medida, condicionam seu trabalho.

Sem o professor, nada se faz em matéria de ensino. Ele é necessário, é indispensável. Mas não é sempre suficiente, já que depende de muitos outros fatores. Ele depende, principalmente, dos alunos. Se estes não querem aprender, por melhor que seja o mestre, estará gastando em vão o seu latim…

Depende também das estruturas de trabalho, da escola em que leciona, das suas instalações físicas, da direção que lhe incute sua administração. Depende da formação que, nos ambientes familiares, os alunos recebem dos pais e de seus círculos de relações. Depende da influência da grande mídia e das solicitações da propaganda que atuam sobre os alunos, os pais e a sociedade em geral.

Depende, ainda, das políticas educacionais do governo, que nas escolas públicas é autoridade inapelável e dita sua vontade, ao sabor das ideologias de plantão. No caso concreto do Brasil, é bem sabido que nosso ensino foi sucateado, foi completamente arruinado pela malfadada Lei de Diretrizes e Bases, instituída pelo regime militar, em 1969, realizando projeto bem anterior, ainda do governo João Goulart. A LDB representou o triunfo do número sobre a qualidade. O ensino público brasileiro, que até então era de qualidade mediana, caiu vertiginosamente. Em tese, democratizou-se. Na prática, elitizou-se o sistema de ensino, pois aumentou muito o fosso existente entre as escolas particulares e as públicas. Ainda sou de um tempo em que as escolas públicas tinham professores catedráticos, que defendiam tese e disputavam suas cadeiras.
Pessoalmente, senti na pele essa mudança. Em 1968 concluí o antigo curso ginasial. Pertenci à primeira geração que já não pegou mais a clássica divisão entre Clássico e Científico instituída nos anos 40 pelas reformas de Gustavo Capanema. Foi em 1969 que surgiu o Curso Colegial, com grade curricular comum nos dois primeiros anos e somente se bifurcando no terceiro.

Por tudo isso, a autonomia e a eficácia de atuação do professor são muito limitadas, mas o papel do docente permanece importantíssimo. Sem bons professores, de nada servem ótimas instalações escolares, excelentes programas de ensino. Os professores ainda são, e sempre serão, elementos essenciais do processo educativo.

É claro que, no outro polo, estão os alunos, estes também elementos essenciais. É nessa bipolaridade que se localiza o eixo do sistema educativo. Tudo o mais é secundário.
Quando há professores realmente dispostos a ensinar e alunos motivados (por si mesmos, pelos professores ou pelos familiares), todas as demais dificuldades (até mesmo as provenientes de um ambiente familiar problemático) são superadas.

O que dificulta muito o sistema de ensino/aprendizado é a falta de disciplina nas salas de aula. A minha geração (tenho 68 anos), que estava na adolescência quando ocorreu a revolta de maio de 1968, na Sorbonne, assimilou infelizmente a ideia de que todos têm direitos ilimitados a fazer o que bem entendem (o lema dos revoltosos era precisamente este: “É proibido proibir.”), e que todos têm, portanto, o direito de não cumprir os próprios deveres… Essa ideia foi a que inspirou todo o ensino nas últimas cinco décadas. É claro que, na escola anterior, havia muita coisa errada, que por vezes se excedia no rigor, que muitos alunos sofriam com o sistema. Eu mesmo sofri. Mas a escola funcionava.

Enquanto prevalecer a ilusão “politicamente correta” de que é possível educar deixando o educando sempre fazer o que tem vontade de fazer e nunca impondo regras, limites e balizas, não vejo solução para o problema. Isso vale para a educação formal, nas escolas, mas vale também (e até muito mais) para a educação não-formal, sobretudo aquela recebida em casa, no ambiente familiar.

No passado, o papel da escola era muito mais de completar e aperfeiçoar (no sentido etimológico do termo, ou seja, levar a cabo, concluir, dar o fecho, o acabamento) a educação familiar. Hoje, as condições de vida moderna exigem que pai e mãe trabalhem fora, de modo que é muito reduzido o tempo que podem passar com os filhos. Disso decorre que boa parte do que antigamente faziam os pais hoje é atribuição da escola, que não está nem de longe aparelhada, de todos os pontos de vista, para enfrentar esse desafio.

Como a escola pode responder aos desafios da contemporaneidade? Respondo que não disponho de nenhuma fórmula mágica a propor… Só posso ficar nos princípios gerais. A meu ver, devemos esquecer os modismos pedagógicos que hoje nos são impostos e retornar aos princípios básicos que, desde a antiga Paideia, sempre nortearam a educação. É claro que esses princípios não podem mais, hoje em dia, ser aplicados exatamente como o foram no passado. Será preciso adaptá-los às condições atuais, tomando em consideração as mudanças ocorridas, considerando os educandos tais como eles são em 2023 etc. etc. Mas, na sua essência, a condição humana não mudou, é sempre a mesma. A Paideia continua aplicável. Sócrates, Platão e Aristóteles ainda têm muito que ensinar aos nossos contemporâneos.

 

 

 

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia

Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

 

Frase a destacar: Devemos esquecer os modismos pedagógicos que hoje nos são impostos e retornar aos princípios básicos que, desde a antiga Paideia, sempre nortearam a educação.

 

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