O isolamento social, medida defendida por diversos especialistas e adotada em grande parte do mundo para conter o avanço do novo coronavírus, tem eficácia comprovada também nos estudos matemáticos. De acordo com uma análise hipotética realizada pela professora doutora Maria Beatriz Ferreira Leite, da Faculdade de Matemática da PUC-Campinas, a restrição do contato social da população seria capaz de evitar milhares de novos casos da Covid-19.
A estimativa da docente, que possui experiência na área de modelagem matemática em epidemiologia – que busca entender o comportamento das doenças a partir de informações quantitativas e qualitativas -, deriva da hipótese de aplicação de restrições de deslocamento a indivíduos assintomáticos da Covid-19, evitando a propagação da doença. Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 86% das pessoas não apresentam sintomas.
Nas duas projeções realizadas, supõe-se a existência de nove casos assintomáticos para cada um caso sintomático. Leva-se em consideração, ainda, a taxa de transmissibilidade divulgada de 2,5 para Covid-19. Em outras palavras, um indivíduo infectado poderia transmitir a doença para, em média, outras 2,5 pessoas.
No primeiro cenário, em que não há medida de isolamento social, o total de contaminações que decorrem dos indivíduos assintomáticos chega a 5.245 casos, sendo 525 sintomáticos. Levando em conta que 20% dos pacientes que manifestam sintomas evoluem para quadros graves e necessitam de internação, a demanda hospitalar seria de, aproximadamente, 105 leitos.
No segundo cenário, é admitida a adoção de uma ação restritiva na qual, hipoteticamente, dos nove indivíduos assintomáticos, cinco permanecem em casa. Nesta situação, o número total de infectados cai para 2.297, impedindo o contágio de quase 3 mil pessoas em relação à primeira demonstração. “Mesmo com suposições extremamente simplificadas, é evidente o efeito provocado por tal medida restritiva. As curvas referentes ao cenário 2 mostram que o isolamento social reduz o número de casos e faz com que a curva cresça mais lentamente, retardando o tempo de espalhamento da doença e minimizando os impactos nas demandas hospitalares. Medidas assim devem ser adotadas no início da epidemia para conter o avanço”, afirma a professora.
Com base em tais projeções, que podem ser desenvolvidas através de diferentes conteúdos e ferramentas (estatística, equações, sistemas dinâmicos etc.), os matemáticos vêm sendo utilizados como grandes aliados para análise de dados e tomada de decisões, contribuindo, por exemplo, na identificação de fatores que influenciam a disseminação da doença, na definição de medidas preventivas, na escolha das estratégias de controle, vacinação, entre outras.
“É preciso ponderar que os parâmetros envolvem fatores distintos, como a taxa de contágio, a duração do período de incubação, a duração do período infeccioso. Além disso, as informações se diferem no que diz respeito às condições ambientais, sociais, culturais e econômicas, fazendo com que a proliferação de doenças se comporte de maneiras variadas em diferentes locais”, destaca Maria Beatriz.
Para ela, porém, a luta contra o coronavírus é uma tarefa de cada indivíduo e deve ser encarada com responsabilidade por toda a sociedade. “O desfecho e as consequências de uma epidemia não estão pré-determinadas e dependem das ações individuais e coletivas. O potencial contagioso do vírus depende do comportamento social e das escolhas de cada um de nós”, complementa.
Pandemia: projeções matemáticas reforçam isolamento social
2 de abril de 2020