Contra os fatos

Adelino Francisco de Oliveira

 

A filosofia, no decurso de sua longa história e com os seus mais diversos pensadores, sempre buscou se aproximar o mais possível da realidade, para interpretá-la mais correta e coerentemente, para compreendê-la em toda sua verdade. Cada pensador, com sua teoria específica e sistema filosófico, almejou apresentar uma descrição mais fidedigna da própria realidade. Essa tem sido, a mais de dois milênios, a grande e nobre tarefa da filosofia: desvendar a verdade do real.

O que é a verdade? A indagação sobre a questão da verdade sempre esteve no bojo das investigações filosóficas no Ocidente. A busca pela verdade define o sentido mais profundo de toda vida de Sócrates. Até mesmo o próprio Jesus Cristo, diante da fraude do julgamento imposto pelos sacerdotes do Templo, foi inquerido pelo prefeito romano, Pôncio Pilatos, sobre o que seria a verdade. Jesus ficou em silêncio! O silêncio de Jesus tem sido motivo de profundas especulações e muitos debates, tanto no campo da teologia quanto no campo da filosofia.

Isso para dizer que o tema da verdade tem sido a grande preocupação histórica, documentada em pelo menos dois mil e quinhentos anos de pesquisas. O empenho e compromisso ético em se alcançar a verdade tem demarcado a história e a cultura do Ocidente. É possível dizer que a busca pela verdade é a razão de ser da própria filosofia, mas também da teologia e das demais ciências.

E no final, existe a verdade ou a realidade não passa de mera interpretação? Há algo que possa ser identificado como objetivo, evidente e inequívoco nas relações, no mundo ou a realidade se compõe como um caos de subjetividades e equívocos? A busca por ideias claras e distintas é também a base do pensamento moderno. Desde Sócrates e passando por René Descartes, a dúvida só tem lugar enquanto processo para se chegar a um conhecimento seguro, irrefutável, absoluto, verdadeiro. Mesmo os mais céticos, mergulhados nas mais intensas dúvidas, debruçavam-se para identificar um porto seguro, uma referência que estabelecesse algum critério de verdade.

A capacidade de desenvolver o pensamento crítico e problematizar sempre foi o mais potente instrumento para se interpretar a realidade, buscando a verdade dos fatos, por meio da análise de documentos, vestígios e provas históricas. A hermenêutica ensinou que mesmo para se interpretar o mundo é preciso o estabelecimento de alguns critérios e métodos. O conhecimento seguro, que mais se aproxima da verdade, da realidade dos fatos é aquele que se constrói a partir de um método de investigação.

Contra os fatos, não há argumentos! É preciso se chegar aos fatos, devidamente documentados e comprovados, para poder interpretá-los de maneira ética e coerente, alcançando a verdade. O processo de produção de desinformações e fakenews procura, justamente, corromper essa dinâmica que delineia o caminho lógico de acesso à verdade. O que se procura destruir e impedir, mediante a propagação de tantas fakenews, é que a realidade seja compreendida em toda sua verdade.

A verdade sempre liberta! Novamente o pensamento crítico, ético e problematizador pode resgatar a sociedade dessa encruzilhada imposta pelo abismo da ignorância e do obscurantismo. A pesquisa atenta e séria, comprometida com o mais profundo senso de justiça, é a única saída para uma sociedade perdida em tantos equívocos e mentiras. Retirar o véu ideológico, que impede a análise isenta e criteriosa dos fatos da realidade, tornou-se imperativo para que a sociedade se reconecte com o que há de mais precioso e genuíno: a busca pela verdade.

Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

 

 

 

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