A sentença de Pilatos

Camilo Irineu Quartarollo

 

Pilatos aceitou a acusação dos sacerdotes, a de sublevação de Jesus contra Roma. Falsamente, pois a condenação do Sinédrio fora por blasfêmia. Contudo, mudaram a acusação para infligir a pena de crucifixão.

A decisão de eliminar Jesus foi porque o galileu derrubara as bancas dos cambistas e soltara dos viveiros os animais pela esplanada do templo. Ora, por essa esplanada entravam os pobres em peregrinação às festas religiosas, já as pessoas abastadas entravam pelo pórtico lateral, e solenes aos cultos, sem a vexação de moscas, berros, cusparadas, urina e cocôs no chão ou na gritaria de mercado no pátio de entrada.

Nos dias próximos à páscoa e grande afluência de caravanas de peregrinos, os sacerdotes temiam um grande tumulto no templo. Na reunião com o sinédrio Caifás decreta a morte de Jesus, e antes da páscoa. Preso, Jesus é levado à casa de Anás, as testemunhas não conseguiram imputar-lhe culpa alguma, numa instrução processual noturna e irregular. Ainda assim, o julgamento foi refeito no dia seguinte, no templo, diante de Caifás, o qual esconjurou Jesus por blasfêmia.

Notadamente os saduceus, os sacerdotes convencem o tribuno romano a fazer valer uma pena de morte, mesmo contra a argumentação plausível de Pilatos, de que não via crime nenhum no prisioneiro. Não havia, Jesus não era partidário de facção rebelde, nem mesmo um sonegador de impostos, ao contrário, tal mansidão do rabino atraía crianças, velhos e populares e, inclusive, a simpatia dos fariseus e da elite.

Pilatos não queria julgar, mandou Jesus num périplo até o filho de Herodes para não sentenciar, mas o prisioneiro retornou. Na verdade, Pilatos nem morava na movimentada Jerusalém, vivia à beira mar, na cidade de Cesareia. A esposa do tribuno, Claudia Prócula, ressentia-se dos apedrejamentos cruéis e ódios explícitos a mulheres e pobres na capital. Já o tribuno tinha a marca do político desonesto e negócios escusos. Os saduceus lhe dão um ultimato. Se não condenasse Jesus, não era amigo do Imperador, ou melhor, conspirariam para derrubá-lo através do legado de Roma na Síria.

Pilatos tentou várias manobras para não parecer totalmente desacreditado, mandou flagelar o réu num poste, deixou o prisioneiro indefeso e frágil para que o povo e os soldados o humilhassem. Após, o trouxe exangue e puxado por um menino, expondo-o ‘à comiseração’ de pessoas insensíveis, rancorosas, sanguinárias, sob o fascínio do ódio. Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado por José de Arimateia, Nicodemos e mulheres do grupo cristão…

Da sentença lançada, e cumprida conforme queriam os sacerdotes saduceus mediante a anuência incômoda e minoritária dos fariseus, num jogo de omissos e isentos condenam o inocente. Uma divergência tardia e à revelia do sinédrio foi a sepultura digna, às ocultas e o cristianismo renasce sob as sombras do Império.

 

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros, autor de Entre as perícopes

 

 

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