Armando Alexandre dos Santos
Acabo de ler um interessantíssimo ensaio de Erich Stephen Gruen, prestigiado professor de História Antiga da Universidade da California (Berkeley), intitulado “Políbio e a Etnicidade”. Trata de dois conceitos bem modernos, etnicidade e alteridade, na obra de um autor do mundo antigo, o grego Políbio, que viveu no século II a.C.
Comecemos por identificar e caracterizar o autor do ensaio.
Gruen nasceu no ano de 1935 na cidade de Viena, na Áustria, mas sua família, que tinha origem judaica, decidiu cruzar o Atlântico e transferir-se para os Estados Unidos em 1939, a fim de evitar as perseguições nazistas. Gruen adquiriu a nacionalidade norte-americana aos 11 anos de idade. Graduado pela Universidade de Columbia em 1957, obteve três anos depois o mestrado pela Oxford University (de Massachusets, nos Estados Unidos, uma instituição de ensino superior muito respeitada, mas que não deve ser confundida com a famosa Universidade de Oxford, fundada na Inglaterra no século XI). Completou o doutorado pela Universidade de Harvard em 1964. Desde 1966 até 2008 lecionou em tempo integral na Universidade de Berkeley.
Como pesquisador, concentrou inicialmente seus estudos na fase final da república romana, tema em que se tornou autoridade internacional e sobre o qual escreveu diversas obras consideradas de referência, e especialmente “The Last Generation of the Roman Republic”, publicada em 1974 pela University of California Press. Nessa obra, sustentou que a república romana não estava em sua fase final, como geralmente se admite, em período de decadência, de modo que o consulado de Júlio Cesar e a subsequente criação do Império, por Augusto, não foram algo imposto pelas circunstâncias para o resgate e a salvação de Roma. Com essa tese, opôs-se frontalmente (e com não pequena coragem) a outra grande autoridade na matéria, o neozelandês Ronald Syme (1903-1989), que foi considerado “o maior historiador da Roma antiga desde Theodor Mommsen e o mais brilhante expoente da história do Império Romano desde Edward Gibbon” (do necrológio de Syme, escrito por seu ex-orientando e discípulo Glen Warren Bowersock, da Universidade de Harvard).
Para Syme, a transição da República para o Império, na Roma Antiga, entremeada pelo período ditatorial em que César foi imperador de facto, se bem que não se intitulasse como tal, se deveu a uma decadência das equipes dirigentes romanas – ou seja, de sua aristocracia – especialmente nas áreas periféricas dos domínios romanos.
Syme estudou a fase final da República Romana em sua obra principal, “The Roman Revolution”, publicada em 1939, na qual analisou o curso dos acontecimentos políticos em Roma depois do assassínio de Júlio César (44 a.C.) e concluiu que as estruturas administrativas da República, com seu Senado constituído pelo antigo patriciado romano, já não mais pareciam adequadas a enfrentar as necessidades novas que se apresentavam. Duas décadas depois, mais precisamente em 1958, Syme deu a lume outra obra, “Colonial Élites. Rome, Spain and the Americas”, na qual estudou comparativamente os três impérios de maior duração em toda a história do mundo ocidental – o romano na Antiguidade, o espanhol e o inglês nos Tempos Modernos – e sustentou que a longevidade de um império depende do caráter dos homens que o administram (ou seja, de suas elites), de modo particular nas suas regiões periféricas (ou seja, em suas colônias).
Desde o final da década de 1970, Gruen desviou o foco de sua atenção para a Grécia do período helenístico e, especialmente, para a questão da identidade e da alteridade dos romanos e dos judeus diante da expansão, que tendia a ser hegemônica, da influência cultural helênica desencadeada a partir das conquistas de Alexandre.
De certa forma, pois, Gruen retornou em seus estudos a suas origens étnicas. O que o levou a isso? Continuaremos na próxima semana a rememoração de sua interessante e fecunda vida explicando, com suas próprias palavras, como e porque se deu essa inflexão existencial.
Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Frase a destacar: Gruen concentrou inicialmente seus estudos na fase final da república romana, tema em que se tornou autoridade internacional.