Mundo paralelo

 

A construção de uma realidade paralela, de um mundo imaginário que não guarda nenhuma relação com a verdade que define o real, é uma estratégia que serve a uma dinâmica de manipulação e controle, visando à manutenção de poderes. Apartados de uma visão coerente e fidedigna da realidade, parcela significativa da população, desprovida de uma percepção crítica e problematizadora, pode passar a reivindicar que sua representação ilusória de mundo consiste na única verdade factual, devendo assumir o lugar das relações reais.

A era da ignorância e alienação! A alienação é um tema clássico das abordagens em filosofia. A capacidade de perceber e compreender a realidade em perspectiva profunda e ampla, com lucidez e coerência, é sempre um desafio cognitivo e histórico. A consciência de mundo é também uma construção das relações sociais. A questão que se coloca agora, em plena era da comunicação global, consiste em se mensurar qual o grau de ignorância, de alienação que incide e domina toda uma massa populacional.

Bolhas ideológicas! A utilização dos meios de comunicação como instrumentos a serviço da manipulação ideológica também não é invenção nova. Mas com o advento das redes sociais, os instrumentos de transmissão e difusão de ideologias se tornaram mais eficientes, extrapolando as tentativas de controle e limites éticos. Fechados em bolhas, as redes sociais passaram a moldar ideologicamente a percepção de mundo de determinados grupos. Com sua força de persuasão, a ideologia acabou por tomar o lugar da própria realidade, criando e consolidando um mundo paralelo. Nas bolhas ideológicas, a mentira passou a ser considerada como a única verdade possível e aceitável.

Toma corpo o fenômeno social no qual massas inteiras passam a se movimentar a partir de uma compreensão invertida de mundo. A realidade paralela, resultado de um meticuloso, longo e ardiloso processo de manipulação ideológica, passou a ser percebida como critério de verdade. Para a consciência alienada, alimentada por desinformações difundidas alucinadamente via bolhas de redes sociais, os fatos, os eventos da realidade não são mais critérios para a construção de uma percepção verdadeira de mundo. Em uma lógica invertida, os falsos argumentos passaram a ter mais relevância dos que os próprios fatos.

A capacidade de julgar! Os discursos ideológicos cumprem a função de esconder e maquiar os desdobramentos do real. Mas a verdade, a realidade do mundo se projeto para muito além das ideologias. A consciência, direcionada pela capacidade de julgar, deve buscar justamente essa verdade do real, libertando-se das amarras dos discursos enviesados, com conteúdos falsos, tomados por desinformações. Cabe à razão crítica e problematizadora, na dinâmica de análise do mundo, reestabelecer o senso de realidade.

A visão de um mundo paralelo é confrontada pela consciência crítica, única capaz de romper com as percepções invertidas pelo discurso ideológico e pelo processo brutal de alienação, recolocando as coisas e o mundo em seus devidos lugares. A educação e a cultura cumprem um papel fundamental no movimento de libertação do sujeito de sua bolha ideológica, que é a sustentação para a afirmação de absurdos próprios de um descolamento da realidade. É urgente uma revolução cultural, criando as condições básicas para que se resgata a autonomia do pensamento.

 

_____

Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima