Camilo Irineu Quartarollo
Pedro I tem figura de herói no Brasil. Agora, para os duzentos anos da Independência querem o coração do homem! Na verdade, o dito proclamador morreu em Portugal, onde se decompunha como D. Pedro IV. Contudo, em 1972 deram-nos o esqueleto dele, recebido e reconhecido com toda a pompa de ordem unida. Vieram as ossadas do Imperador, mas o coração lusitano dele não veio, ficou em Portugal, onde descansava numa igreja da cidade do Porto, em conserva no formol. Neste 2022, a relíquia vem para ser venerada no Brasil, tudo por um preço não revelado pelo governo Bolsonaro, sem prestação de contas ao cidadão bestificado.
Há duzentos anos, a princesa Leopoldina preparara a Independência do país, na ausência do marido que fora à São Paulo. A austríaca falava cinco idiomas e o português fluentemente, ela convocou o Conselho das Províncias e decidiu com Bonifácio o caminho da proclamação da Independência. José Bonifácio dizia de Leopoldina, esposa de Pedro I: que pena que ela não seja ele. Talvez tenha sido ela o coração da Independência e Andrada o cérebro.
Enormes foram os custos da Independência de 1822, e sem a Abolição da escravatura. A República veio mais tarde, em 1889, como revide à Abolição de 1888, eivada pelos escravagistas que detinham o poder político e econômico do país. Portanto, na nossa Independência não há emancipação social, o sistema é de escravidão, com o agravante de que têm de esconder dos ingleses o tráfico humano, como se os escravizados fossem bem nascidos nas fazendas e não prisioneiros traficados da África e batizados na maldade brasileira. O Brasil era um país monarquista rodeado de repúblicas até que se torna uma também.
O processo de emancipação política da Independência foi com sangue. Conflitos armados foram deflagrados pelas províncias do país. Grandes endividamentos e convocação de mercenários para lutar com o exército, socorrendo-se aos bancos da Inglaterra. Além dos mercenários havia os recrutamentos pelas vilas de populares como a marisqueira e trabalhadora braçal Maria Felipa, a jovem Maria Quitéria, a religiosa Irmã Joanna Angélica de Jesus e outras pessoas pobres que se alistaram para a expulsão dos portugueses remanescentes.
Em 1972, os restos mortais do Imperador, sem o coração, claro, serviu por inteiro à política dos militares da época, que já têm o soldado exemplar na figura de Caxias, numa república proclamada por outro monarquista, Deodoro da Fonseca.
Nos estertores da monarquia, coube a Pedro II homenagear o pai nesse Brasil emoldurado com a majestosa “independência” do riachinho Ipiranga. A pintura do evento é feita seis décadas depois da dita Independência, em 1888. O quadro não é surrealista, mas a montaria de Pedro I seria um “cavalo voador”, estaria planando sobre uma colina que não existe no Ipiranga. Entretanto, a Independência sem emancipação social existe?
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor de crônicas, historietas, artigos e livros