Fontes, esquema, estilo e esclarecimentos prévios
Armando Alexandre dos Santos
No livro “A vida cotidiana na Grécia no século de Péricles”(Paris: Librairie Hachette, 1959, 375 p.), Robert Flacelière se baseou, para descrever a vida quotidiana da antiga sociedade grega, nas obras literárias que em considerável número foram preservadas e chegaram até nós, com textos históricos, filosóficos, literários e dramáticos. Também as informações trazidas pelas pesquisas arqueológicas foram amplamente utilizadas, de modo especial as inscrições epigráficas, nas quais, como se viu no artigo anterior, o autor era grande especialista.
O esquema do livro é lógico, sendo a vida dos antigos gregos exposta e analisada em dez capítulos bem concatenados, de modo a permitir uma visão de conjunto. Mais adiante veremos,passo a passo, esses capítulos. Em cada um deles, o autor expõe um aspecto da vida grega, sempre considerando o grande público não especializado, procurando redigir seu texto de modo fluente e agradável, colocando de modo apenas simplificado as indicações das fontes, e remetendo para o fim do volume, em numerosas e eruditas notas, as referências bibliográficas completas e as indicações de obras e fontes para uso de estudiosos desejosos de aprofundamentos. Quando a exposição da matéria exige o esclarecimento de algum conceito novo, a explicação é simples, clara e completa, na justa medida necessária para a compreensão do assunto, mas sem divagações teóricas de especialista. E com alguma frequência fatos ou situações da Antiguidade são aproximados, pelo autor, de fatos ou situações da vida contemporânea, tudo de modo a permitir que o leitor mediano de 1959, com sua experiência de vida, entendesse o verdadeiro alcance do assunto.
Antes de iniciar o texto, Flacelièrefaz dois esclarecimentos prévios, explicando, na introdução (Avant-Propos), dois conceitos-chave que balizarão seu estudo. Em primeiro lugar, o conceito de “gregos” (no plural). Segundo ele, os gregos, não somente aqueles que habitavam a península balcânica, mas também os da Ásia Menor e da Sicília, assim como os de Marselha e os de cidades do Ponto Euxino (Mar Negro), reconheciam-se todos como irmãos de raça, sentindo entre si uma profunda comunhão de língua (apesar das diferenças de dialetos regionais), de religião e de costumes, em oposição ao mundo que designavam como bárbaro, ou seja, o conjunto de todos os povos que falavam outras línguas que não a grega. O nome de Grécia (Hélade), porém, jamais teve significação política na Antiguidade; a própria Grécia nunca constituiu um Estado unido antes das dominações macedônica e romana” (p. 7).
Embora houvesse três grandes cidades — Atenas, Esparta e Tebas — que sucessivamente exerceram uma espécie de hegemonia e, assim, influenciaram a fundo os destinos do conjunto, as confederações gregas encabeçadas por essas cidades sempre foram temporárias e pontuais, nunca abrangeram a totalidade das unidades autônomas. “Cada cidade, por menor que fosse seu território, sempre se quis absolutamente independente, mantendo suas próprias instituições políticas, religiosas, judiciárias e até mesmo, muitas vezes, uma moeda própria e um sistema particular de pesos e medidas.” (p. 7).
Outro conceito que explica é o entende como “tempo de Péricles”. Depois de mostrar que seria inviável uma delimitação restritiva desse tempo, porque muitos documentos importantes para a abordagem do livro são bem anteriores ao período em que Péricles efetivamente administrou Atenas (450 a 429 a.C.), e ainda muito mais abundantes são os documentos posteriores a essas duas décadas, os quais entretanto são igualmente indispensáveis para sua compreensão. Por isso, de um modo que reconhece um tanto arbitrário, prefere designar o período focalizado no livro como “século de Péricles”, situando-o mais ou menos entre 450 e 350 a.C.
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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.