Adelino Francisco de Oliveira
Talvez a população, preocupada com as questões sérias e com as dificuldades cotidianas da vida, nem saiba, mas há dois projetos tramitando na Câmara de Vereadores de Piracicaba que buscam prestar homenagens póstumas ao ideólogo Olavo de Carvalho. O Decreto Legislativo nº 8/2022 (que institui a Medalha de Mérito Estudantil Professor Olavo de Carvalho) e o Projeto de Lei 23/2022 (que atribui a denominação de Praça Prof. Olavo de Carvalho em praça no bairro Jardim São Francisco). Projetos que se destacam pela absoluta falta de sentido.
Piracicaba é uma cidade nacionalmente reconhecida por seu lugar estratégico no Estado de São Paulo e por sua pujança em diversas áreas, particularmente nos campos da educação e da cultura. A cidade conta, em sua rica história e trajetória de 254 anos, com ilustres personalidades, com projeções até internacionais. A cidade tem nomes que gozam de tácito reconhecimento.
O ideólogo Olavo de Carvalho não guarda nenhuma identidade histórica ou afetiva com a cidade de Piracicaba. Aliás, não há registros de que tenha passado em algum momento pela cidade ou que tenha realizado alguma referência relevante sobre nosso povo, nossa história, nossa cultura. A leitura de mundo expressa nas obras de Olavo de Carvalho não reforça a defesa da democracia, assim como não propõe a tolerância, o profundo respeito à diversidade e a defesa dos direitos humanos – valores basilares para uma sociedade democrática e livre de toda sorte de preconceitos. Basta que o leitor atento se debruce sobre seus livros para se deparar com um conteúdo conservador, avesso à pluralidade e diversidade, preso a um pensamento único, estanque, sem dialogar com o mundo e seus desafios.
É urgente que a Câmara de Vereadores, em um gesto de lucidez política e respeito à história da cidade, rejeite as proposições descabidas de qualquer sentido e fundamento que buscam homenagear alguém tão distante da cultura piracicabana. É imperioso que se proceda a um justo levantamento do nome de personalidades nas áreas de educação e cultura que marcaram a história de nossa cidade para que recebam as devidas homenagens com nome de medalhas e praças, ressaltando uma herança que nos marca e ressignifica nosso passado, com um olhar esperançoso para o futuro.
Qualquer homenagem em nossa cidade deve vislumbrar pessoas, que em suas trajetórias profissionais e políticas, tenham celebrado e promovido os princípios de uma sociedade democrática, justa, livre e solidária. Nesse sentido é que a Vereadora Rai de Almeida, atenta inclusive às ponderações do eminente Prof. Dr. Sérgio Oliveira Moraes, da Esalq/USP, por meio de substitutivo ao projeto de lei, indicou à criação da medalha Luiz de Queiroz, personagem este que, em sua trajetória e no processo de formação política e social do povo brasileiro, dialogou com valores abolicionistas e com o ideário da liberdade, propondo uma sociedade atenta ao lugar da ciência e do conhecimento como propulsores de um mundo emancipado.
Certo de que o estudante prestigiado não se esquivará da medalha Luiz de Queiroz, abrindo-se a uma homenagem que inspirará sua vida e a capacidade de se locomover na sociedade com uma visão cidadã, afetiva e fraterna. Quanto à suposta medalha Olavo de Carvalho, que fique num imaginário esquecido e abandonado de forma que o aluno, tomado pelo horror e a indignação, não se sinta num constrangimento tamanho pela recusa que certamente fará diante de uma congratulação que ninguém em sã consciência pretende obter.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected] ; @Prof_Adelino_