Adelino F. de Oliveira
Finalmente, o tão esperado espetáculo Paixão de Cristo, da Associação Cultural e Teatral Guarantã, pode retornar às apresentações presenciais. Já são 32 anos de apresentações e releituras cênicas dos eventos que marcaram a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Sob inspiração dos relatos dos Evangelhos, que narram a impactante trajetória de Jesus de Nazaré, o grupo Guarantã tem revisitado a história que marcou tão profundamente a humanidade a ponto de inaugurar uma nova sociabilidade, em um tempo sonhado de plena justiça e direito.
Com direção artística de Marcos Thadeus, assistência de direção de Edvaldo Oliveira e Simone Rosa, produção cultural de Anelisa Ferraz e figurinos de Carlos ABC, o espetáculo Paixão de Cristo novamente consegue empolgar, entreter e envolver a plateia, com um roteiro teologicamente provocante, contemporâneo e profundamente ousado. A arte do Guarantã desponta como um convite ao despertar, colocando em debate a temática dos muitos preconceitos – racismo, machismo, misoginia, intolerâncias etc.
Rompendo com estereótipos já consagrados e padronizados, na Paixão de Cristo do Guarantã, a imagem de Jesus surpreende em originalidade e representatividade, por meio do talento de Wellington Camargo, Ricardo Alves, Diego Borges e Rafael Correa. Jesus é negro! Tal escolha cênica, estratégica e política já revela muito sobre a montagem e mensagem do espetáculo. Em tempos de racismo estrutural e institucional, que ainda definem o lugar das relações no Brasil, o diretor Marcos Thadeus tem a coragem de apresentar e compor a perspectiva do Jesus Negro.
A Paixão de Cristo do Guarantã, atenta a toda profundidade teológica, propõe uma interpretação contemporâneo sobre os últimos dias de Jesus, superando a histórica visão colonizada. A sagrada família é negra. E as mulheres desfrutam de um protagonismo fundamental no movimento de Jesus. Sem falso moralismo, Jesus discursa contra toda forma de hipocrisia, não se silenciando diante de situações de opressão, abandono e múltiplas violações.
Pensamento decolonial; representatividade e lugar de fala; rompimento com a perspectiva do patriarcado e do machismo estrutural; reconhecimento do protagonismo feminino no seio do movimento de Jesus; denúncia corajosa de um sistema que gera opressão e exploração. Temáticas religiosas, éticas e também políticas que desfilam no decurso da encenação da Paixão de Cristo, sob a ótica da direção e da Associação Guarantã.
Com sua já tradicional Paixão de Cristo, o grupo Guarantã, com liberdade artística e rara criatividade, convida a sociedade a dialogar sobre seus valores, enfatizando a atualidade da mensagem de amor, justiça e comunhão, animada pelo amoroso caminho percorrido por Jesus de Nazaré. Por meio de cenas e fortes falas de Jesus, o espetáculo revela-se atento e sensível aos dramas do contemporâneo. Ao término da apresentação, o sentimento que se eleva é o de esperança. Apesar de uma sociedade combalida e confusa, mergulhada em ódio, indiferença e ressentimentos, as forças criativas da arte ainda podem promover redenção, em um movimento de reconciliação com a essência da mensagem cristã.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião. E-mail: adelino.oliveira@ifsp. edu.br. Mídias sociais: @Prof_Adelino_