Armando Alexandre dos Santos
Ainda sou do tempo em que o fundador do comunismo chinês era conhecido como Mao Tsé-Tung. De uns tempos para cá, passou a ser nomeado Mao Zedong. A primeira designação era em mandarim tradicional, a segunda em “hanyu pinyin” – um sistema ortográfico moderno que está, para o mandarim tradicional, mais ou menos como a ortografia atual do português (que na sua última versão nos foi imposta em 2008) está para a ortografia etimológica tradicional. Em outras palavras e fazendo uma espécie de regra de três, Mao Zedong está para Mao Tsé-Tung mais ou menos como farmácia está para pharmacia e cristal está para chrystal. Mas trata-se da mesma pessoa, da mesma sinistra e criminosa pessoa, disso não tenhamos dúvida.
Um dos malfeitos menos divulgados, no Ocidente, do “grande timoneiro” chinês foi a mirabolante “guerra aos pardais” que desencadeou na segunda metade da década de 1950. Na ocasião, Mao convocou o povo chinês a se engajar ativamente numa campanha intensa contra as “quatro pestes” que estariam impedindo a agricultura chinesa de se desenvolver e, por isso, eram responsáveis pela alimentação insuficiente de uma população que já contava então com 600 milhões de pessoas. As “quatro pestes” eram os pardais, as moscas, os mosquitos e os ratos. Na concepção dirigista e simplificadora de Mao, uma vez eliminados esses quatro inimigos, automaticamente a produção agrícola daria um salto maravilhoso, a população ficaria bem alimentada, trabalharia melhor e permitiria uma rapidíssima industrialização da China. Tudo isso, bem entendido, sob o guante de ferro do Partido Comunista Chinês e seguindo a iluminada orientação do Grande Líder.
Nas palavras do próprio Mao, essa campanha constituía “um passo importante para fortalecer a saúde das massas populares, para proteger a força de trabalho e aumentar a eficiência das forças produtivas” e devia prosseguir “até que sejam eliminados todos os ratos, pardais, moscas e mosquitos do país” (documento “Decisão de continuar a campanha para combater as quatro pragas”, de 29-8-1958).
A situação do povo chinês era precaríssima. A população, mal alimentada, vivia atormentada por epidemias contínuas de cólera, de varíola, e de vários tipos de peste, sem falar na poliomielite e na malária. Além de vacinação em massa, Mao queria combater os males pela raiz, eliminando os mosquitos, transmissores da malária, os ratos, propagadores da peste, e as moscas, responsáveis pela disseminação de cólera e febre tifoide. Até aí, tudo faz sentido.
– Mas, e os pardais? – Que culpa tinham eles? – Por que também eles eram diabolizados?
Entra aí em cena a “genialidade” do Grande Líder. Mao sabia que pardais comem sementes; e como a agricultura coletivizada da China produzia pouco, concluiu que isso só podia ser por culpa dos pardais, que estariam devorando as sementes lançadas no campo e impediam assim que a produção fosse abundante. Eliminados os pardais, seria gigantesca a produção. Simples, não acham?
Essa tolice primária foi logo endossada por “cientistas” e “especialistas”. O ornitólogo Zheng Zuoxin, pesquisador do Instituto de Zoologia da Academia de Ciências da China publicou no Diário do Povo um extenso artigo, endossando a posição de Mao e sustentando que cada pardal consome diariamente uma quarte parte de seu peso corporal e, assim sendo, chega a consumir 4 quilos de grãos por ano.
A população foi obrigada a se engajar no combate aos pardais. As crianças eram estimuladas a irem à escola armadas com estilingues ou atiradeiras, e a exibirem como troféus cadáveres das pobres avezinhas. Foram estimuladas competições de pontaria, para ver quais os chinesinhos que demonstravam mais habilidade na matança dos pardais. A população foi, também, orientada a manter contínuo barulho com panelas, frigideiras e tambores para assustar os pardais e impedir que pousassem; voando sem parar, eles cairiam mortos por extenuação. Também seus ninhos foram destruídos, os ovinhos quebrados e os filhotes eliminados.
A campanha, proposta e desencadeada pelo Grande Líder foi considerada um verdadeiro sucesso. Fontes do governo chinês informaram que um bilhão de pardais foram mortos, além de um bilhão e meio de ratos, 110 mil toneladas de moscas e 12 mil toneladas de mosquitos.
Veremos, no próximo artigo, os resultados.
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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.