Folhetins… já ouviu falar deles?

As gerações mais novas não fazem a menor ideia do papel que representaram os folhetins no passado! Creio que muitos nem sequer ouviram falar deles!  Os folhetins constituíram um gênero literário/jornalístico que esteve muito em voga desde a metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Eram romances seriados, publicados em capítulos por jornais e revistas, que os leitores acompanhavam avidamente e comentavam com paixão. Pode-se dizer que eram o antecedente das modernas telenovelas e dos ainda mais modernos seriados cinematográficos. As novelas atuais, quando conseguem um altíssimo índice de assistência, dão uma pálida ideia do que eram os folhetins do tempo de nossos bisavós.

Os folhetins atraíam a atenção extraordinariamente. Fascinavam. Hipnotizavam o público. Sempre acabavam com suspense, para o leitor, no dia seguinte, continuar a leitura – método estritamente adotado ainda hoje pelas novelas e pelos seriados. Conta-se que, no século XIX, havia pessoas que se amontoavam nos portos e nas agências de correio, esperando avidamente a chegada de mais um capítulo de um livro de Charles Dickens. Alexandre Dumas, na França, também foi grande autor de folhetins com romances inspirado em ambientes históricos medievais ou renascentistas.

Ainda conheci pessoas antigas que usavam a expressão “parece folhetim” para se referir a um texto bem escrito, que atraía e prendia a atenção do leitor, mesmo que nada tivesse de ficcional ou literário.

Às vezes, os folhetins eram escritos em capítulos à medida que iam sendo publicados. O autor iniciava a redação da obra sem saber bem aonde ela iria parar. Dependeria da reação do público, das repercussões de leitores que chegavam ao conhecimento do autor, da simpatia ou da rejeição do público por determinados personagens. Exatamente como nas modernas telenovelas. O autor procurava, sempre, “espichar” ao máximo a história, porque sua remuneração dependia disso. E os donos de jornal pagavam bem aos bons autores de folhetins, porque a venda dos jornais também dependia, em boa medida, ao público leitor de folhetins.

Havia casos de folhetins escritos a quatro mãos, por dois autores. Eram raros, mas ocorriam, e isso dava uma nota a mais de originalidade à obra. Um folhetim com dupla autoria extemporâneo, mas que registro como recordação de um grande amigo que já nos deixou, foi produzido a quatro mãos pelo meu saudoso amigo Hernâni Donato e por seu coleguinha Francisco Marins… quando ambos tinham apenas 11 anos de idade! Estudavam juntos na mesma escola de Botucatu, quando se puseram a escrever um romance seriado, sobre piratas e caça a tesouros. Era coisa infantil, mas redigida com grande talento pelos dois autores. Cada um deles escrevia um capítulo e passava ao outro, que por sua vez escrevia o seu e devolvia ao primeiro, e assim por diante. A obra dos dois meninos-prodígio (ambos futuros acadêmicos ilustres!) ficou tão boa que alguém teve a ideia de mandá-la a Assis Chateaubriand, então todo-poderoso senhor da imensa rede de jornais que cobria todo o território nacional, os Diários Associados. E o “cangaceiro da letras”, entusiasmado pelo brilhantismo daqueles dois talentos precocíssimos, publicou em folhetim todo o livro dos dois meninos! O Brasil inteiro acompanhou as aventuras juvenis dos dois.

Como curiosidade, a respeito, transcrevo um trecho do acadêmico Josué Montello, intitulado “Eduardo Prado e o desfecho do folhetim”:

“Arlindo Leal, redator do Comércio de São Paulo, de que Eduardo Prado era diretor, tinha sob seus cuidados o folhetim do jornal. Espírito imaginoso, sabia ele urdir a página de sensação à Ponson du Terrail ou Eugène Sue, mantendo em suspenso a curiosidade dos leitores, com o mundo de complicadas aventuras que tirava da pena.
No final do século XIX, ocorreu na capital paulista um crime que se notabilizou por sua crueldade e por seu mistério. Logo Arlindo Leal se apoderou do tema e começou a escrever sucessivos folhetins em forma de romance, com o título de O Crime da Alameda Glete.
A narrativa, longe de aclarar-se à medida que ia sendo publicada, tornava-se mais misteriosa. E ainda por cima, parecia não ter fim. Uma noite, de volta do teatro, Eduardo Prado entrou nas oficinas do jornal e pediu para ler as provas do folhetim do dia seguinte. Atendido, correu o olhar pelas tiras de papel, detendo-se no trecho em que uma personagem desconhecida olhava os quadros de uma parede, ponto de partida para o prosseguimento da ação em outro folhetim. Eduardo Prado, sentando-se à mesa, levou a pena ao tinteiro, numa repentina decisão. Em seguida, riscou as linhas finais que preparavam a nova cena, num traço rápido, incisivo, de sumária eliminação. E em seu lugar, escreveu: “De súbito o misterioso personagem, arrancando um revólver do bolso, estourou os miolos, caindo de bruços sobre o tapete. Estava morto”. Depois, num – uff – de alívio, passou um traço enérgico na palavra “Continua”, da derradeira linha da composição, e escreveu em caixa alta: FIM”. (Josué Montello, Anedotário Geral da Academia Brasileira, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1980, pp. 117-118).

 

Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História

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